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Quando acolhimento é o caminho

Anualmente, o Dia Mundial dos Cuidados Paliativos é celebrado no 2° sábado do mês de outubro e ganha um tema definido pela The Worldwide Hospice Palliative Care Alliance (WHPCA), organização internacional não governamental que se dedica ao desenvolvimento da prática em todo o planeta. Em 2023, o tema eleito para o dia 14 de outubro foi “Compassionate Communities: Together for Palliative Care”, ou “Comunidades Compassivas: Juntos para Cuidados Paliativos”, em tradução livre.

Howard Kinyua, Gerente de Comunicações da WHPCA, frisa que os cuidados paliativos não só melhoram a qualidade de vida dos pacientes, como também englobam a saúde e o bem-estar dos cuidadores. Foi parte do que debatemos recentemente, na edição julho/agosto do ABNews, com a reportagem “Muito além da cura”, em que especialistas do Núcleo de Medicina Paliativa (MEP) da Academia Brasileira de Neurologia abordam os cuidados paliativos na formação médica e na prática neurológica.

Voltamos a falar com duas integrantes do MEP, Luciana Neves e Laura Cardia, sobre o caráter amplo do campo, que ultrapassa, ao contrário do que se convencionou pensar, os estágios terminais. Entrevistamos ainda Weverton Teixeira, médico em formação que comentou a presença dos cuidados paliativos na residência em Neurologia.

Paliar, não abadonar

Pallium, que em latim quer dizer “manto”, deu origem a palliare: cobrir, abrigar, proteger. Nasce, portanto, da ideia de minimizar a dor, de confortar quem sofre, o conceito de cuidado paliativo. Ele é muitas vezes confundido com eutanásia ou mesmo abandono terapêutico, relata a dra. Luciana Neves, neurologista no Hospital São Carlos – Rede D’or (HSCAR) e no Hospital Regional da Unimed (HRU), em Fortaleza, e no Hospital Regional do Sertão Central (HRSC), em Quixerabomim, no Ceará, além de paliativista no HSCAR.

“Cuidados paliativos são o oposto de eutanásia ou abandono, essa é uma imagem deturpada. Estamos falando de um tratamento adequado a alguém que se vê diante de uma doença incurável ou ameaçadora, alguém que merece, como todos os outros, ter seu sofrimento aliviado, sua dignidade assegurada e sua vida valorizada. Afinal, a pessoa está viva, está presente.”

Embora recorra-se aos cuidados paliativos, na maior parte das vezes, na reta final dos tratamentos, já existem serviços em que os cuidados começam tão logo é feito o diagnóstico, sem que as intervenções paliativistas se sobreponham às curativas.

“No entanto, isso varia de local para local. Precisamos nos perguntar se há paliativismo ali, se o serviço é multi, se existe capacidade de capilarização e como estão as unidades de internação na emergência e nas UTIs, porque os cuidados paliativos não são uma realidade na maioria dos hospitais.”

“E quando são uma realidade, enfrentamos outro problema: falar sobre a morte, especialmente no Brasil, é tabu. Assim, quando os médicos discutem a transição para os cuidados paliativos com os pacientes graves e suas famílias, é primordial cultivar uma comunicação empática e compassiva. Trata-se de uma situação delicada. Não é fácil dar notícias difíceis, não existe uma receita, mas pensar em um discurso amoroso, piedoso, empático e ao mesmo tempo honesto pode ajudar”, orienta.

No Núcleo de Medicina Paliativa da ABN, os cuidados paliativos encontram a Neurologia – uma vez que grande parte das doenças estudadas pelos neurologistas podem incapacitar ou causar morte, o papel dos profissionais é extremamente relevante. A dra. Luciana ressalta a importância de promover educação continuada na área, apoiar a criação de políticas públicas e divulgar campanhas.

Quando mais cedo, melhor

Para a dra. Laura Cardia, médica assistente do Departamento de Neurologia do Hospital das Clínicas da Universidade Estadual Paulista (HC-UNESP) e do Serviço de Cuidados Paliativos do Hospital das Clínicas da UNESP de Botucatu, é indispensável incluir os cuidados paliativos na graduação em Medicina.

“Os estudantes ainda não são médicos: não têm qualquer vício oriundo da prática, não estão calejados ou endurecidos por testemunhar a dor humana. Se os formarmos com conceitos claros, demarcando o que é e especialmente o que não é cuidado paliativo, a população será tratada por gente que sabe reconhecer as várias esferas do sofrimento e que possui ferramentas para lidar com elas. É muito mais fácil aprender isso quando estamos na academia, antes do início da vida profissional.”

Aprovado em março de 2022, o parecer n° 265/2022 do Conselho Nacional de Educação/Câmara de Educação Superior (CNE/CES) alterou a resolução de junho de 2014, que institui as Diretrizes Curriculares do Curso de Graduação em Medicina e dá outras providências. “Segundo essas diretrizes”, explica a dra. Laura, “os cuidados paliativos devem ser inseridos na matriz curricular das graduações. Eles se relacionam com competências específicas que os alunos precisam desenvolver, como comunicação compassiva, manejo de sintomas e gerenciamento da dor, por exemplo”.

“Isso só entrou em vigor no ano passado, leva tempo até ser incorporado aos currículos. Acredito que cada faculdade fará o que for possível. Para começar, os cuidados paliativos podem entrar no estágio de geriatria, no de psicologia, há uma infinidade de opções. Mas ainda faltam, sim, profissionais capacitados para ensinar.”

Weverton Teixeira, que está no terceiro ano da residência em Neurologia no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP), conta que o estágio em cuidados paliativos é obrigatório no programa. “Passamos um mês inteiro, no primeiro ano, dedicados apenas a cuidados paliativos. Temos um setor específico aqui no HC, com dentistas, enfermeiros, assistentes sociais. A demanda é grande. É uma das poucas residências no Brasil em que isso acontece.”

“Foi uma experiência enriquecedora. Na Neurologia, lidamos todos os dias com pessoas com doenças gravíssimas, às vezes crônicas e sem cura. Pensar em cuidados paliativos, dos mais básicos aos mais especializados, faz bastante diferença para os pacientes e para as famílias, que acabam adoecendo junto.”

Se na graduação há matérias de Cardiologia ou Oncologia, Weverton questiona, por que não uma de cuidados paliativos, que também são essenciais? Ele afirma que o meio acadêmico, felizmente, pouco a pouco se abre para o debate.

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