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Mãos que curam e suas joias raras

Há mãos que cuidam, há mãos que criam e há mãos que passeiam por universos vários. É esse o caso de Enedina Maria Lobato de Oliveira, que se enveredou pelos caminhos aparentemente opostos da medicina e da ourivesaria.

Em um momento difícil, a neurologista recebeu uma importante recomendação médica: investir em alguma atividade que não estivesse ligada ao seu cotidiano repleto de atendimentos, aulas e pesquisas. A vontade de desenvolver habilidades manuais não tardou a se manifestar.

Bordado não. Crochê muito menos. Tricô, nem pensar. Dra. Enedina queria empregar um pouco mais de violência em seu novo hobby. Descobriu pedras, prensas, martelos, lâminas, fogo, et voilà – foi conquistada pelo ofício dos ourives. A escolha, divisora de águas, fez com que a médica refletisse sobre a própria vida.

“Depois de usar os instrumentos mais brutos, eu via que o resultado era uma peça delicada, bela. Não é uma espécie de analogia? Feito uma joia, nós somos submetidos à cólera dos martelos, do fogo, até sairmos diferentes. Melhores. Mais bonitos. As transformações não são fáceis, mas valem a pena. Era o que eu precisava compreender naquele instante”, pondera.

Hoje, se equilibrando entre a universidade e o atelier, ela fala ao ABNews sobre seu processo de escolha profissional, a rotina na medicina e na ourivesaria, o impacto que os bons professores tiveram e têm em sua trajetória, e mais.

Mar, mestres, metais

Assim como o dr. Paulo André Teixeira Kimaid, neurofisiologista, nadador e velejador entrevistado nesta seção na edição maio/junho do nosso boletim, também a dra. Enedina cresceu fascinada pela imensidão azul das águas.

“Nasci em Santos e cresci em Belém do Pará”, revela. “Lá, não conseguiria estudar algo relacionado ao mar, como biologia marinha ou engenharia naval, considerando que na escola eu era excelente em matemática. Por volta dos 15 anos, comecei a pensar em ser médica. A primeira da família. Já me imaginava pesquisando, entendendo melhor as doenças, ajudando as pessoas.”

Aos 17, a jovem ingressou na graduação na Universidade Federal do Pará (UFPA), onde conheceu um professor bastante especial. “Dava aulas de neurofisiologia. Um profissional fantástico, inteligente, assombroso. Um verdadeiro modelo. Graças à minha admiração por ele, logo entendi que a Neurologia era para mim.”

Formou-se em 1989 e retornou ao Sudeste quando foi aprovada na residência da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (EPM-UNIFESP), concluída em 1994. Depois vieram o mestrado na UNIFESP, em 1997, o treinamento em Neuroimunologia na Harvard Medical School, em 2001, o doutorado novamente na UNIFESP, em 2005, e a especialização em Epidemiologia e Bioestátística, mais uma vez em Harvard, em 2016. Ela ainda cursa o bacharelado em estatística na Anhembi Morumbi, desde 2021.

“Entrei na Escola Paulista de Medicina como residente e agora sou médica do serviço, responsável pelo ambulatório do setor de doenças desmielinizantes, preceptora da residência em Neurologia e professora da pós-graduação. Gosto do que faço, isso é fundamental. O que mais me motiva – além, é claro, da chance de melhorar a saúde dos pacientes – é poder estar ao lado dos residentes e dos pós-graduandos. Com eles, ensino e aprendo ao mesmo tempo”, comemora.

Quando não está nos corredores da EPM, é no Atelier Pedra e Metal, do ourives Antônio Moreno, que a dra. Enedina se fixa. “Toninho já era meu professor em outra escola. Assim que ela fechou as portas, me tornei sua aluna no Pedra e Metal. Meu aprendizado passa pela generosidade dele, que me orienta, me incentiva, não me deixa desistir dos projetos que tenho em mente. Acabo me lembrando da época da graduação, tenho a sorte de sempre encontrar bons mestres.”

Embora pareçam opostas, há pontos em comum entre o trabalho nas duas áreas, ela destaca. “Vidas e joias são pura delicadeza. É necessário estudar, ter técnica, pensar na melhor abordagem tanto para os pacientes quanto para as peças, planejando e executando com cautela.” Do mesmo modo, a dra. Enedina relata que a pressão é grande. Equívocos mínimos, afinal, se revelam devastadores.

“Muita coisa pode atrapalhar. Se eu não presto atenção, erro o fogo, não verifico a espessura do metal, não checo se a solda está boa, tudo desanda. Ao contrário do que pensam, o atelier não é um ambiente em que eu ‘me desligo’. Preciso estar alerta nas minhas duas lidas.”

Produzir para presentear

Lá se vão mais de dez anos desde que a médica descobriu o mundo da ourivesaria. Pelos custos e pelos resultados, suas paixões têm sido a prata e as pedras brasileiras, como ametistas e turmalinas. Uma profusão de técnicas e materiais, contudo, foi experimentada.

“Descobri que posso usar um tear para criar as peças, que posso aprender uma técnica chamada filigrana, que posso inventar uma joia de papel, que posso testar em cera, que posso usar resina, madeira, que posso fazer esmalte, que há prata, ouro, titânio, platina à disposição.”

“O problema é que alguns metais são caríssimos, não compensam quando se trata de joalheria autoral, sem a assinatura de uma grande marca. Para peças exclusivas, é inviável usar um metal cuja grama custa algumas centenas de dólares. Foi assim que comecei a entender o preço dos anéis, pulseiras, brincos e colares que vemos nas vitrines das lojas”, explica.

Precificar e comercializar as joias é seu calcanhar de Aquiles. Ela gosta mesmo é de presentear familiares e amigos, embora sua irmã venda algumas produções a pessoas próximas. “Não estou na ourivesaria para fazer dinheiro, pelo menos não nesse momento. Pode ser que mude de ideia um dia, mas minha atividade agora é um prazer. Um prazer que me agrada distribuir.”

“Uso as peças de vez em quando. Fiz uma pulseira quadrada, por exemplo, que me rendeu bastante reconhecimento no atelier que eu frequentava. É incomum, tem turmalinas no meio, não combina com qualquer ocasião, mas me agrada a sensação de olhar para ela e me ver representada.”

Para a dra. Enedina, o futuro é aberto. Focada na universidade, provavelmente não poderá se dedicar às atividades comerciais tão cedo. O que ela faz, por ora, é colecionar livros sobre o tema. “Quem sabe o amanhã não me reserva uma biblioteca, uma loja, um canto todo meu?” Com os olhos brilhando mais do que ouro e prata, esperamos que sim.

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