Que atire a primeira dúvida quem nunca procurou informações especializadas na internet. Em 2019, um levantamento feito pelo Google revelou que o Brasil foi o país em que as pesquisas referentes a saúde mais cresceram no ano anterior. Àquela altura, 26% dos brasileiros utilizavam o buscador ao se deparar com alguma enfermidade ou condição clínica.
Uma pesquisa do Datafolha também apontou, no fim de maio, que o Google é o meio mais citado pelas pessoas para acessar dados sobre saúde em todo o território nacional: é a ele que se recorre em 47% das vezes. Somente em segundo lugar, com 42% das respostas, aparecem o posto ou o médico de confiança.
Diversos fatores podem explicar o fenômeno, como a dificuldade de acesso ao sistema de saúde e o avanço tecnológico que impulsionou o uso da internet – 90% dos lares brasileiros já estão conectados, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios divulgada em 2022. Para os que não são médicos ou profissionais da área, no entanto, a busca por esclarecimentos on-line pode se tornar uma verdadeira epopeia, com enganos e desinformação a um clique de distância.
“Nem sempre é simples discernir entre fontes confiáveis e conteúdo duvidoso. Em geral, a população permanece desprotegida, à mercê do ataque de pessoas mal informadas e até mesmo mal intencionadas que se apresentam como profissionais”, comenta João Brainer de Andrade, vice-coordenador do Departamento Científico de Doenças Cerebrovasculares, Neurologia Intervencionista e Terapia Intensiva em Neurologia e responsável pela criação do site Conexão Neuro, nova iniciativa da ABN que levará ao público leigo conteúdo de qualidade sobre doenças neurológicas.
“Frequentemente, quando surgem dúvidas a respeito dessas enfermidades, pacientes e familiares recorrem à internet e acabam caindo nas malhas de sites, plataformas e perfis que propagam inverdades ou verdades distorcidas, desatualizadas. Como os ambientes virtuais, em especial as redes sociais, são territórios de disputa pela atenção dos usuários, é comum que informações incorretas se escondam por trás de chamadas sensacionalistas, prometendo tratamentos milagrosos e cura ou espalhando medo entre as pessoas – são os clickbaits. É nesse contexto que surge o Conexão Neuro”, pontua o dr. João.
Além de artigos sempre redigidos a partir de sólidas evidências científicas, o site e os perfis a serem criados em redes sociais contarão com entrevistas em vídeo com especialistas, mapas mentais animados e um fórum aberto a dúvidas que serão progressivamente elucidadas por profissionais. Todo o conteúdo será impulsionado pelo Google. “Se um internauta utilizar o buscador para pesquisar ‘o que causa enxaqueca’, por exemplo, as páginas do Conexão Neuro aparecerão entre os primeiros resultados, com médicos explicando o que de fato pode ocasionar a dor.”
Receberá atenção ainda a seção Mitos e Verdades em Neurologia, cujo lançamento, dada a demanda social, precisou ser antecipado pela ABN. “Ela é importante por funcionar como um repositório de respostas para pergun as
feitas tanto por profissionais quanto pelo público geral. Se alguém suspeita de uma informação encontrada on-line, basta fazer um print e enviar pelo direct do Instagram (@abneuro) ou pelo e-mail mitoseverdades@abneuro.org.br.”
“Uma comissão interna analisará o conteúdo e responderá de forma simples, para que todos, não só especialistas, compreendam.” O intuito, comenta o dr. João, é evitar que a Academia se comunique apenas através de notas técnicas, que passam ao largo do entendimento da maior parte das pessoas.
Idealização e lançamento
O Conexão Neuro começou a ser esboçado há cerca de dois anos, em uma das reuniões da Comissão de Comunicação e Editoração (CCE) da Academia. Como seria necessário reunir recursos para investir no desenvolvimento do site, o dr. João buscou o apoio da diretoria e submeteu o projeto a um processo interno de seleção. “Paralelamente, em outra comissão da ABN, o dr. Felipe von Glehn Silva sugeriu uma iniciativa semelhante e se uniu a nós. Houve um sinergismo de pensamentos. Juntos, assumimos a coordenação do projeto; ele na coordenação de conteúdo, eu na parte de articulação e desenvolvimento”, relembra.
Desde o princípio, a ideia foi convidar membros dos sete Departamentos Científicos da Academia para produzir o conteúdo que irá ao ar no Conexão. O convite tem se estendido, pouco a pouco, a outros integrantes da comunidade neurológica, principalmente àqueles ligados às universidades, e a profissionais de diferentes áreas, como fisioterapeutas, nutricionistas, psicólogos. “O critério deve ser técnico, a linguagem não; a transmissão da mensagem deve ocorrer de maneira lúdica, criativa. Receberemos auxílio do pessoal da comunicação e do marketing.”
Médicos, residentes, estudantes, associações de pacientes – quem quiser colaborar com o site, que funcionará com recursos próprios, sem qualquer patrocínio da indústria, será bem-vindo. “Idealizamos uma plataforma aberta, que aceita contribuições. O Conexão Neuro não é restrito à ABN.”
No segundo semestre, o neurologista adianta, será lançado o primeiro grupo de vídeos, com temas escolhidos por uma comissão própria: medicamentos para enxaqueca, mudanças no estilo de vida e o que realmente influencia na diminuição dos riscos de Alzheimer, impacto de algumas drogas em doenças neurológicas como Parkinson, e outros tópicos bastante discutidos pela população.
Fora das torres de marfim
Sair de uma consulta sem compreender o que foi dito pelo médico é uma experiência comum a uma infinidade de pacientes. “O profissional que não se comunica de forma adequada com o indivíduo que está na sua frente presta um desserviço à profissão. A imagem do especialista que fala e do paciente que abaixa a cabeça, submisso, é ultrapassada, não existe e não deve mais existir. Todos têm o direito de conhecer a própria saúde, o próprio corpo, e a linguagem é uma ferramenta poderosa, capaz de facilitar ou arruinar esse processo”, defende o dr. João.
“As universidades pecam quando se distanciam, se voltam somente para o professor e esquecem que existe gente fora das torres de marfim. Não podemos nos colocar em um pedestal apartado do mundo, brincando de fazer congressos, vivendo só entre os nossos pares. Precisamos encontrar maneiras de promover inclusão científica. Temos um compromisso com a sociedade.”