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Solicitação de exames genéticos: uma epopeia

Exoma, PD-L1 e FLT3 são alguns dos exames genéticos que passaram a integrar o Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), em 1° de abril de 2021. Sua cobertura, de acordo com o que antes assentava a ANS, era obrigatória somente em determinados contratos e se a solicitação fosse feita por um geneticista – no entanto, a Resolução Normativa n°465/21 ampliou esse escopo após uma série de estudos técnicos, permitindo que neurologistas, hematologistas, cardiologistas, imunologistas, oncologistas clínicos e outros especialistas também requisitem os testes.

Com exames que possibilitam um diagnóstico acurado e auxiliam no direcionamento de doenças como epilepsia, imunodeficiência grave, leucemia mieloide aguda, transtorno do espectro autista e distrofia de Duchenne, a medida ampliou o acesso da população à chamada medicina personalizada ou de precisão. Ao menos em teoria.

“Enfrentamos uma dificuldade tremenda”, revela Eduardo Uchôa, diretor da regional Centro-Oeste da ABN. “Reiteradamente, depois de fazermos a solicitação do exame, o paciente volta ao consultório relatando que o plano de saúde não aceitou, que será preciso pedir outros testes antes – testes que, incapazes de detectar alterações genéticas, muitas vezes não são relevantes para aquela investigação.”

“É uma prática que delonga e encarece o processo, e traz insegurança para quem está doente. No fim das contas, o exame pode ser barrado, com o plano alegando que não vê indicação ou que não há cobertura, mesmo que o rol da ANS diga o contrário”, lamenta o neurologista.

São comuns os casos de pessoas que só conseguem realizar os testes após determinação da justiça. De acordo com Sarah Camargos, secretária do Departamento Científico de Neurogenética da Academia, o quadro pode ser mais grave quando se trata de doenças neurológicas, que não raro implicam sintomas motores e cognitivos, por exemplo. “Imagine alguém que perde, pouco a pouco, a capacidade de se mover, de se comunicar. Entrar em contenda com uma empresa enquanto o corpo padece é desgastante. Ninguém deveria passar por isso.”

A médica lembra os entraves enfrentados por um paciente com sintomas ligados à distrofia miotônica. “Uma vez que ele apresentava alterações sugestivas e na sua família já havia parentes em primeiro grau com distrofia miotônica confirmada, requeri o exame genético. O plano negou, precisava de mais e mais relatórios, e demandava que o processo fosse submetido a auditoria.”

“Nunca se sabe se é má vontade ou falta de treinamento por parte de quem avalia as solicitações. Para piorar, muitos profissionais não conhecem a legislação mais recente, que data do período conturbado da pandemia de Covid-19; não sabem como orientar seus pacientes da melhor forma e fazer valer o que está no rol da ANS. É como se ainda dependêssemos inteiramente dos geneticistas, médicos que não se encontram em todas as partes do Brasil, estão concentrados no Sudeste. O cenário é desigual”, declara.

Bem como outras sociedades médicas, a ABN tem se posicionado a favor dos pacientes, prezando pela correta solicitação dos exames, pelo cumprimento e pela divulgação das normas estabelecidas, e sinalizando que o rol ainda precisa contemplar outras enfermidades.

Quando e por que solicitar

“Por outro lado, vejo profissionais pedindo testes genéticos quando não é necessário. Além de ser um grande dispêndio financeiro, o pedido incorreto também pode acarretar surpresas no diagnóstico que não têm qualquer relação com a investigação de base, como a suscetibilidade a alguma doença. Isso mais atrapalha do que ajuda, desestabiliza o paciente e faz com que o foco se perca. Para começar corretamente a investigação, é preciso fazer uma boa anamnese e exames físicos”, pontua o dr. Eduardo.

“Em caso de indivíduos pré-sintomáticos”, complementa a dra. Sarah, “os testes nem sempre são recomendados. Afinal, não estamos falando de um simples pedido de glicemia. Se alguém é irmão de uma pessoa com Huntington, por exemplo, é provável que tenha a doença, por carregar o gene. Contudo, o exame deve ser feito apenas após aconselhamento genético. O paciente, em geral, assina um termo de compromisso informando que deseja saber o resultado, e passa por preparação psicológica para lidar com ele.”

Antes, os geneticistas argumentavam que eram os únicos capazes de conduzir o aconselhamento genético, embora o diagnóstico de doenças neurológicas só pudesse ser feito por neurologistas, ela destaca. “Foi durante o tempo em que coordenei o DC de Neurogenética que a ABN pediu que tentássemos rever o rol. Assim, teríamos condições de solicitar os testes para as nossas enfermidades.”

Doenças como Ataxia de Friedreich, Huntington, distrofia miotônica e distrofia de Duchenne são algumas das dez que hoje podem ser diagnosticadas pelos exames requisitados por neurologistas. Apesar de não existir tratamento efetivo para a maior parte delas – exceto adrenoleucodistrofia, com transplante de medula óssea, e amiotrofia muscular espinhal e distrofia de Duchenne, com terapia gênica -, os testes permitem que os médicos controlem os sintomas, como no caso de distrofia miotônica.

“Há o acometimento de outros sistemas, o cardiovascular é um deles. Portanto, é preciso fazer o encaminhamento do paciente. Sem o exame genético, não se detecta nem o problema principal nem os ‘secundários’. Sua importância é gigantesca”, arremata a dra. Sarah.

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