A dopamina tem sido protagonista de uma série de publicações recentes, científicas ou de ampla distribuição. A sua designação como o neurotransmissor do prazer vem alimentando a produção editorial, mas despertando, para preocupação dos médicos, um apelo sensacionalista. Não é incomum ler ou escutar que vivemos sob a égide dos excessos, fruto de um alto estímulo dopaminérgico a ponto de se propor um infundado “jejum de dopamina”.
Nesse contexto, nasce “A História Íntima da Dopamina”, livro publicado em abril pelo neurologista Lúcio Huebra e pelo psiquiatra Táki Cordás, que desmistifica as afirmações mais recentes acerca da hiperestimulação da dopamina e apresenta, em especial ao público leigo, o amplo universo por trás desse neurotransmissor.
O texto relaciona as diversas funções da dopamina com atividades que desempenhamos rotineiramente, ilustrando de que maneira o neurotransmissor se faz presente no nosso funcionamento cotidiano. Ganham luz as ações dopaminérgicas no comportamento e no aprendizado motor, na manutenção da atenção e na memorização, na organização do raciocínio e na consciência da realidade, no apetite e na conduta alimentar, no humor e até mesmo na paixão.
No primeiro capítulo, os autores discorrem sobre os princípios básicos da neurociência, apresentando os neurotransmissores e suas características, as sinapses e, por fim, os circuitos dopaminérgicos, que serão de maior interesse ao longo do livro. Nos capítulos seguintes, são esmiuçadas as diversas funções da dopamina, suas implicações práticas, as associações com doenças neuropsiquiátricas, além de referências históricas, culturais e filosóficas.
Como o neurotransmissor tem diferentes funções, sobretudo de acordo com a via ativada, em situações de falha nesse mecanismo sinalizatório, diversos são os impactos no organismo, com suas doenças e sintomas. A diminuição da dopamina na função motora, por exemplo, pode levar à manifestação de sintomas da Doença de Parkinson, caracterizada por redução na quantidade de movimento, ao passo que seu aumento desencadeia distúrbios hipercinéticos, como os que se apresentam na Coreia de Huntington.
Esse difícil equilíbrio, em que existe um ponto exato para que não se desenvolvam sintomas relacionados à redução nem ao aumento da dopamina em uma via, ou para que outra via não seja estimulada de forma imprevista, é comum na prática médica, quando são prescritos medicamentos cujo mecanismo de ação é dopaminérgico. Torna-se nítida, portanto, a necessidade de se conhecer melhor esse neurotransmissor.
Embora seja realmente importante discutir a dopamina sob a ótica do circuito de recompensa, isto é, da estimulação do prazer e da aversão, Huebra e Cordás reafirmam que tal abordagem é simplista e limitada, ressaltando a importância do equilíbrio dopaminérgico nos pequenos e grandes acontecimentos do dia a dia.