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Os desafios da prova de título

Em 1949, Joseph Campbell, célebre mitologista estadunidense, criou o conceito de Jornada do Herói ou monomito, uma estrutura narrativa presente em histórias ao redor do mundo inteiro. Nela, após vivenciar diversos perigos, aventuras e provações, um herói ou uma heroína vence um confronto final e volta para casa recompensado. Qualquer semelhança com a trajetória de jovens médicos, perdendo noites de sono e colecionando vitórias do vestibular à prova de título, não é mera coincidência.

Aqueles que escolhem os árduos e gratificantes caminhos do sistema nervoso devem passar pela prova de título de especialista da Academia, que todos os anos avalia, em uma etapa teórica e outra prática, se o futuro profissional está acadêmica e cientificamente apto para exercer a Neurologia. Os integrantes da Comissão de Educação Médica (CEM) da ABN são responsáveis pela elaboração da prova.

Segundo Sônia Maria Dozzi Brucki, coordenadora da CEM, o título assegura que o médico foi submetido a uma avaliação criteriosa e já pode realizar todos os processos clínicos inerentes à especialidade. Com a certificação, o neurologista também é oficialmente reconhecido pela Associação Médica Brasileira (AMB) e se consagra como membro da Academia.

Como de costume, a fase teórica da prova deste ano, aplicada no início de junho, contou com 100 questões de múltipla escolha, divididas por temas e graus de dificuldade. Houve ainda uma prova de multimídia no fim do mês. Ambas on-line. Em outubro, presencialmente, ocorrerá a parte prática, com avaliação de exame neurológico e discussão de caso clínico. Além disso, o currículo dos candidatos é analisado.

Hyago Casimiro, Rebecca Vieira e Sara Terrim foram alguns dos 92 aprovados em 2022. A seguir, eles compartilham com o ABNews os percalços enfrentados até conquistarem, enfim, o título de neurologistas.

A IMPORTÂNCIA DA ROTINA

O coração dividido entre a saúde e as engenharias optou pela Medicina no final do ensino médio. Já no primeiro período da faculdade, ao assistir às aulas neuroanatomia, o dr. Hyago relata que foi fisgado. Embora tenha tentado dar uma chance a outras áreas, a paixão pela Neurologia jamais o abandonou – estava presente em cada aula, em cada livro, em cada atividade das ligas acadêmicas das quais participava.

Durante a preparação para a prova de título, que começou enquanto o jovem paraibano estava no R3 no Instituto de Assistência Médica ao Servidor Público Estadual de S. Paulo (IAMSPE), o sentimento não arrefeceu. “Para mim, o mais desafiador foi criar uma rotina de estudos e sustentar o pique no meio da pandemia. Há bastante liberdade na residência, cada um se programa para estudar como preferir, mas a crise sanitária atrapalhou nossa concentração”, comenta.

“Eu admirava dois residentes que estavam dois anos à minha frente, fazendo fellow. Resolvi perguntar a eles como deveria me organizar para chegar aonde chegaram, e ambos me deram a mesma resposta, em dias diferentes: começar com semiologia e anatomia. Segui o conselho no R2. No R3, preocupado com tempo que a pandemia nos fez perder, elaborei um cronograma anual próprio, dividido em subespecialidades, recorrendo às edições da Continuum Neurology. Eu estudava para mim; a prova estava no meu horizonte como um estímulo.”

Depois de se aprofundar na revista que é referência mundial e pode ser acessada gratuitamente pelos membros da Academia -, o dr. Hyago ressalta que a resolução de questões também o ajudou, em especial nos temas mais complexos. Entretanto, para o médico fascinado pelos transtornos do movimento, difícil mesmo foi se sentir pronto para a etapa prática. “Nunca sabemos o que pode surgir. Naquele momento em que esperava chamarem meu nome para entrar na sala, sim, fiquei ansioso.”

Hoje, o conselho que ele dá a quem vai prestar a prova é estudar ao longo do R3. “É algo que até os preceptores recomendam, para que não se perca o pique. E como não sou de São Paulo, voltar à cidade apenas para passar pelo exame seria um obstáculo a mais”, pondera.

Seu próximo objetivo é se dedicar à criação de um Serviço de Neurologia na Paraíba. “Quando deixei o estado, ainda não havia residência de Neurologia, a primeira turma foi formada há pouco tempo. A ideia é que ninguém se sinta impelido a sair daqui para construir uma carreira sólida.”

MANTER A CALMA E ACREDITAR

Assim como seu colega, a dra. Rebecca descobriu bem cedo a afinidade com a área. Aos 13 anos, após um quadro de epilepsia tratado por profissionais inspiradores, a menina decidiu: seria médica. Neurologista.

Ela também equilibrou o último ano de sua residência no IAMSPE e o início do fellow em Transtornos do Movimento com a preparação para a prova de título. “Como eu já vinha estudando os assuntos por tema graças à residência, voltei toda a minha energia para a resolução de questões parecidas com as que costumam cair na fase teórica. Com exceção da parte das doenças neuromusculares, que é a mais desgastante, por envolver genética e tópicos às vezes distantes do nosso cotidiano, foi tranquilo.”

“Manter a calma durante a prova on-line demandou um esforço e tanto, porque eu e outros colegas tivemos um problema. Nossa conexão estava ótima, mas a exibição de algumas questões falhou e há um prazo pré-determinado para resolver cada uma. Quando ele expira, aparece uma nova questão.”

A dra. Rebecca explica que os candidatos são observados pela câmera dos computadores e não têm autorização para manusear outros aparelhos eletrônicos. “Preocupada com o tempo acabando, peguei meu celular e entrei em contato com o WhatsApp de suporte que foi disponibilizado. Demoraram um pouco para responder, duas questões estavam perdidas, mas logo informaram que eu teria direito a um tempo extra para concluir o que faltava.”

Para ela, a prova prática é, sem dúvida, o maior osbstáculo entre o futuro neurologista e o título. “Estamos acostumados a examinar, a lidar com os pacientes na frente de outras pessoas, é claro, mas ser observada e avaliada pelos grandes nomes da nossa área é intimidador. Que bom que os próprios médicos me tranquilizaram. Sou grata”, celebra a dra. Rebecca, que planeja começar o mestrado em 2024.

TEMPO PRÓPRIO

“No ensino médio, tive certeza de que a Medicina era o meu destino. Em 2013, vinda do interior do estado, entrei na USP e me apaixonei pela Neurologia. Além da graduação, foi onde fiz a residência”, conta a dra. Sara, que preferiu mergulhar na preparação para a prova após o R3.

“Como são cobrados assuntos muito específicos e a residência, dada a carga horária alta, toma nosso tempo, eu e alguns colegas decidimos reservar um período só para isso.” Ela avalia que a decisão tem prós e contras, e revela que algo que a ajudou a não perder o ritmo foi a preceptoria. “Assim, eu continuava em um ambiente acadêmico.”

Neuropediatria, neurogenética e neuroncologia, por não fazerem parte do dia a dia da residência, foram os tópicos que mais exigiram sua atenção. Para lidar melhor com eles, a dra. Sara costumava se reunir com colegas. Juntos, discutiam o conteúdo e resolviam questões.

A jovem relembra o frio na barriga causado pelas 100 questões de múltipla escolha. “Só fiquei um pouco mais relaxada durante a parte de multimídia e a parte prática, afinal, elas se assemelham ao nosso trabalho cotidiano.”

“Agora estou fazendo fellow em neuroimunologia. Depois”, adianta, “pretendo conciliar a pesquisa clínica, que é uma área que me agrada, com outras demandas.”

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