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Uma vida em movimento

No poema “Inscrição”, Sophia de Mello Breyner Andersen, célebre autora portuguesa, lançou uma sentença íntima: “Quando eu morrer voltarei para buscar/Os instantes que não vivi junto do mar”. Os versos simples e arrebatadores que integram o Livro Sexto, publicado em 1962, bem poderiam descrever o desejo do neurofisiologista, nadador e velejador Paulo André Teixeira Kimaid. Quem o vê atarefado, com uma rotina agitada e um currículo repleto de títulos, não suspeita que em seu coração a ciência divide espaço com o esporte.

O médico graduou-se pela Universidade Estadual Paulista – UNESP em 1993; fez o Mestrado em Ciências em 1999 e o Doutorado em Ciências Médicas, na área de Neurologia, em 2004, ambos na Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP; é especialista pela Academia Brasileira de Neurologia e pela Sociedade Brasileira de Neurofisiologia Clínica; presidiu a SBNC de 2011 a 2015, e o Capítulo Latinoamericano da Federação Internacional de Neurofisiologia Clínica entre 2017 e 2021. Muito antes de desvendar o funcionamento do cérebro, entretanto, ele já se dedicava a descobrir as águas. Na vida de Paulo, a natação e a vela são paixões mais antigas do que a própria medicina.

Medo e fascínio

Ao contrário do que se imagina, a vocação do futuro esportista precisou de um empurrãozinho para se manifestar. Ainda pequeno, com cerca de seis anos de idade, Paulo tremia de pavor diante das piscinas. Quase se afogou quando o pai o jogou na água, pensando que ajudaria a criança a perder o medo.

“Foi por volta dos dez que o jogo virou. Gil, amigo de um tio meu, fez um grande favor a mim, às minhas irmãs e à minha prima: nos ensinou a nadar. Começou como uma brincadeira, mas de repente eu me vi indo e voltando sem parar em uma piscina semiolímpica. Fazia 1.000, 1.300, 1.400 metros, me sentia a criatura mais feliz do mundo. Só parei, aliás, pausei, ao me envolver com a vela”, conta.

Não demorou para a novidade se tornar uma fixação. Aos 11 anos, o menino já praticava. Aos 15, não fez como os amigos, que pediam aos pais festas e viagens – tudo o que queria era um equipamento de windsurf. “Ganhei um usado e passei a competir”, lembra Paulo. “Estreei e fui melhorando, mas três anos depois precisamos nos mudar do Rio de Janeiro para Campinas. As outras opções do meu pai, também médico, eram Santos e Ribeirão Preto. É claro que eu queria Santos pela praia, e é claro que ele escolheu Campinas pela Unicamp. Foi um baque.”

Quase atleta

“Enquanto eu cursava o primeiro ano de Medicina, um colega da faculdade me convidou para ser instrutor de vela no Club Med Itaparica, onde a mãe dele era diretora. Uma oportunidade única: o instrutor seria patrocinado e poderia competir profissionalmente. Naquele momento, com a cabeça nas nuvens, pensei em abandonar a graduação. Até que meu pai me fez ponderar.”

O pai de Paulo temia que o filho se lesionasse a ponto de não poder velejar mais, como acontece a inúmeros atletas em esportes de alto rendimento, e perdesse sua ocupação. Seguir na formação médica era o caminho mais seguro, afinal. “Compreendi o posicionamento dele, mas fiquei um pouco chateado na época, porque não estava gostando do curso.”

“No terceiro ano, quando tive meu primeiro contato com os pacientes, é que renovei o desejo de seguir na profissão. ‘Isso aqui é medicina!’, eu comemorava. E uma vez que eu sempre me machucava jogando futebol ou basquete, não cheguei a competir na UNESP. A natação ficou para depois.

Novos chamados

Colesterol e triglicéride altos, saúde em risco. À beira dos 30 anos e longe do mar, foi por necessidade que Paulo voltou às piscinas. Seu talento, contudo, não passava despercebido. “Viram que eu nadava bem e não deu outra, entrei para o circuito. Fui competir pela União dos Nadadores Master do Interior de São Paulo, a Unami. Nadava borboleta, crawl, fazia a festa. Até que uma lesão no ombro, enquanto estava no campeonato brasileiro, interrompeu minha euforia.”

Com a ruptura parcial do tendão, sem conseguir erguer o braço direito, o neurofisiologista teve medo de prejudicar seu trabalho e achou prudente não competir mais – mas a sina de Paulo é estar sempre em movimento. Em 2018, um primo que velejava windsurf o convidou para ir a Jericoacoara conhecer outra modalidade, o kite. No pequeno paraíso cearense, o médico se apaixonou mais uma vez.

“Kitesurf”, explica ele, empolgado, “vem de ‘pipa’ em inglês. Nós usamos um cinto com um gancho que prende essa pipa, é o que chamamos de trapézio, e colocamos os pés em uma espécie de chinelo preso à prancha. Assim, temos a sensação de deslizar pela superfície.” Àquela altura, por já haver experimentado o windsurf, Paulo estava bastante confortável. Sabia até falar a língua do vento – contravento, través, side shore e vários outros termos entraram no seu vocabulário e nunca mais saíram.

As praias do Ceará, que recebem importantes competições como o XP Sertões Kitesurf, logo se tornaram seu destino preferido. “Velejamos downwind, ou seja, a favor do vento”, comenta ele, que se reúne com grupos de amigos para percorrer o litoral.

“Por segurança, contratamos uma equipe experiente para nos acompanhar. Duas pessoas vão com a gente na água e duas vão pela areia, em um veículo ‘quatro por quatro’, se comunicando por rádio. Normalmente, fazemos quatro, cinco horas diárias, o que dá em torno de 60 quilômetros de velejo. Às vezes, quando o vento ajuda, chegamos a mais de 90. Guardo memórias espetaculares do mar, dos rios, das dunas que já percorremos no Ceará e em estados fronteiriços.”

Em setembro de 2022, na mesma época em que aconteceu o Congresso da ABN, em Fortaleza, Paulo participou do desfile com o maior número de kites na água do ano. “Eu me dividia entre o evento e o kitesurf”, diverte-se ao lembrar. Agora, em 2023, ele e os companheiros de aventura têm nova viagem marcada. Também em setembro, sairão da Praia do Preá, próxima a Jericoacoara, e irão até Santo Amaro, nos Lençóis Maranhenses. Até lá, o jeito é conter a ansiedade.

Rotina ativa

Se não é possível velejar em Campinas, ao menos a piscina é garantida – no mínimo três vezes por semana, o neurofisiologista nada de três a quatro quilômetros. Chegou, inclusive, por influência de um treinador da academia, a competir em mar aberto e conquistar o primeiro lugar na sua categoria. “Eu brinco, digo que o que atrapalha meus treinos é o trabalho”, Paulo ri.

Durante a pandemia de Covid-19, ele comprou uma bicicleta de estrada e começou conciliar pedaladas e braçadas. “Acordava às 4h30 manhã e fazia 25 quilômetros até as 6h. Depois nadava mais três quilômetros e ia trabalhar. Só diminuí a frequência após descobrir uma pedra no rim. Para mim, esporte é vida. Quem pratica sabe, a gente fica até meio deprimido quando não pode treinar, o humor muda.”

“É puxado, claro. Se exercitar, correr para tomar um banho, um café da manhã, e atender pacientes durante oito horas. Mas se fazemos sacrifícios por tantas outras coisas, por que não pensar na nossa saúde, no nosso bem estar? Vale a pena”, arremata.

Hoje, satisfeito com a decisão que tomou na juventude, Paulo percebe que a neurologia, a natação e a vela compartilham semelhanças. “São três áreas que demandam grande controle mental. Nadando no mar, por exemplo, é necessário administrar a força, a respiração, saber mudar a rota, ter estratégias para não ser puxado por uma corrente e conseguir chegar até o fim. Na neurologia, também precisamos dessas habilidades. Muitas vezes, durante o acompanhamento de uma doença complicada, é preciso mudar a forma de pensar, recalcular a rota, ter estratégias para não ser tragado pela desesperança. Portanto, me sinto desafiado na água e no consultório.”

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