De 24 a 26 de maio, em Munique, na Alemanha, foi realizada a nona edição do Congresso Europeu de AVC (European Stroke Organisation Conference, ESOC), principal fórum do continente e referência mundial em pesquisa e cuidado clínico de pacientes com doenças cerebrovasculares, que contou com a participação de mais de 4.500 profissionais. Completa e de alta qualidade, a programação abarcou apresentações de ensaios clínicos, seminários, workshops, comunicações científicas das últimas pesquisas e debates sobre controvérsias atuais.
Diversos membros da ABN compareceram ao evento – entre eles, o professor Octavio Marques Pontes Neto, docente da USP de Ribeirão Preto e integrante da Comissão Editorial do ABNews, que registrou em tempo real, para as mídias da Academia, novidades sobre os destaques da ESOC e os resultados de importantes estudos. Através de pequenas entrevistas gravadas pelo professor com especialistas como Craig Anderson, Sheila Martins, Maramélia Miranda e Gisele Sampaio, e publicadas no site, no Instagram e no Facebook da ABN, os médicos brasileiros puderam se informar em primeira mão. Confira a seguir os principais pontos da cobertura.
Boa notícia para os pacientes com AVC hemorrágico
“Nas sessões plenárias do congresso foram apresentados 24 estudos clínicos, aqueles de maior relevância no tratamento de AVC em todo o planeta”, detalha Octavio, que realça quatro deles: ENRICH, INTERACT-3, OPTIMAL BP e SONOBIRDIE.
Os pacientes com AVC hemorrágico foram o foco dos dois primeiros. 20% dos casos de AVC são do subtipo hemorrágico, de pior prognóstico. Não havia, até hoje, um tratamento com nível 1 de evidência científica – mas o ENRICH e o INTERACT-3 mudarão o manejo desses pacientes.
“O ENRICH testou a cirurgia minimamente invasiva para evacuação precoce de hematomas cerebrais supratentoriais, e mostrou que essa abordagem, mais do que o tratamento convencional, de cirurgia aberta ou o tratamento clínico, foi capaz de melhorar a evolução clínica das pessoas com AVC hemorrágico. Houve um melhor desfecho funcional. É o primeiro estudo a comprovar o benefício de uma estratégia cirúrgica para o tratamento de pacientes com hematoma cerebral”, comemora Octavio.
Outro estudo que se debruçou sobre indivíduos com hemorragia cerebral foi o INTERACT-3, envolvendo mais de 100 hospitais ao redor do mundo, metade deles na China. Com quatro centros, o Brasil também participou. O professor Craig Anderson, do George Institute for Global Health, Austrália, entrevistado por Octavio, foi responsável pela coordenação central.
“Pela primeira vez, o estudo apontou que um pacote de intervenções baseadas em metas, intervenções com controle agressivo da pressão arterial, da glicemia, da febre e reversão rápida da coagulação, foi capaz de reduzir a incapacidade funcional e melhorar a evolução clínica dos pacientes.”
O médico ressalta ainda que o AVC hemorrágico, tal qual o AVC isquêmico, deve ser encarado como urgência.
Mudança de prática
“Já o OPTIMAL BP vai transformar nossa conduta em geral. Existia uma prática empírica, mas baseada em opiniões de especialistas, que recomendava um controle mais agressivo da pressão sistólica, mantendo-a abaixo de 140 em pacientes com AVC isquêmico submetidos a trombectomia mecânica com recanalização total, para evitar risco e transformação hemorrágica.”
O estudo testou se o controle agressivo da pressão pós-trombectomia mecânica seria mais benéfico do que o controle conservador, permitindo a autorregulação do paciente após o tratamento endovascular. O resultado não acusou benefícios, mas sim malefícios ligados à prática.
“Buscar grande redução da pressão depois da recanalização arterial de pacientes com oclusão proximal submetidos a trombectomia mecânica não é o ideal. Devemos permitir que o indivíduo se autorregule”, completa.
Em vídeo gravado por Octavio no dia 25 de maio e divulgado nas mídias da Academia, a neurologista Sheila Martins, professora e presidente da Rede Brasil AVC, se alegra: “Depois de tantos anos, temos dois trials positivos de AVC hemorrágico. Podemos reduzir a mortalidade e a incapacidade dos nossos pacientes. Precisaremos fazer uma enorme campanha capacitação, educação e implementação desses protocolos.”
Resultados surpreendentes
O SONOBIRDIE testou a sonólise com doppler transcraniano, de dois MHz, com monitorização contínua por 120 minutos na artéria cerebral média e ipsilateral ao lado que está sendo submetido a uma endarterectomia carotídea por estenose carotídea.
“Esse tipo de monitorização, segundo os resultados, diminui a ocorrência de AVC ou AIT relacionado ao procedimento de endarterectomia carotídea, sugerindo que existe algum efeito biológico do ultrassom, promovendo sonólise, promovendo fibrinólise e evitando que os êmbolos que se formam durante o procedimento levem a uma oclusão arterial sintomática.”
“Definitivamente, uma surpresa para todos”, conta Octavio. “O estudo foi interrompido com a metade da casuística planejada, por superioridade, indicando que essa monitorização contínua com doppler transcraniano durante o procedimento de endarterectomia reduz a ocorrência de eventos cerebrovasculares periprocedimento.
Para o neurologista, ENRICH, INTERACT-3, OPTIMAL BP e SONOBIRDIE são estudos que impactam imediatamente a prática clínica e comprovam que o campo das doenças endovasculares é efervescente. “A cada dia, temos mais atualizações. O congresso, portanto, foi bastante produtivo.”