O estresse do cuidador pode ser caracterizado como ônus físico, emocional e/ou financeiro atrelado à tarefa de cuidar, pondera Ana Carolina Ottaviani, primeira autora do estudo publicado recentemente na Dementia & Neuropsychologia (https://urlfr.ee/98v62). Ela atenta para o fato de que o modelo de estresse do cuidador proposto por Pearlin e colaboradores em 1996 se tornou referência na organização e compreensão dos determinantes do bem-estar de cuidadores. “Esse modelo considera as associações entre elementos individuais ambientais do estresse, incluindo a sobrecarga subjetiva e objetiva como preditores dos desfechos de cuidar”.
A seguir, em entrevista exclusiva, Ana Carolina Ottaviani traz mais informações sobre o estudo.
Como esses elementos são agrupados e o que a literatura científica relacionada aponta sobre o estresse?
Tais elementos são agrupados em estressores primários (ex.: grau de dependência do receptor de cuidador, sobrecarga das tarefas), estressores secundários (ex.: problemas financeiros, baixa autoestima), os mediadores (ex.: estratégias de enfrentamento, suporte social) e as consequências (ex: sintomas físicos, ansiedade, depressão).
A literatura científica mostra que o estresse está associado a maiores índices de dor autorreferida, pior percepção de saúde, dificuldade para dormir, sobrecarga, maiores níveis de ansiedade e depressão. Níveis elevados de estresse resultantes da sobrecarga de cuidados diários podem colocar em risco a saúde cognitiva dos cuidadores, com impacto na atenção e no desempenho das funções executivas. Além da dependência física, o estado mental do cuidador em termos de problemas comportamentais e capacidade cognitiva também pode ser determinante do nível de dependência e positivamente relacionado ao grau de sobrecarga e estresse do cuidador.
Cuidadores de pessoas com declínio cognitivo comumente apresentam altos níveis de estresse e sobrecarga relacionada ao envolvimento emocional e à compreensão e aceitação de uma condição. Dessa forma, os cuidadores podem enfrentar dificuldades para se adaptar ou modificar suas estratégias de cuidado e experimentar um nível significativo de sobrecarga. Em suma, a sobrecarga advinda do contexto do cuidado, em especial do idoso cuidador, torna-se um tema emergente em pesquisas e um problema de saúde pública, já que coloca em risco a capacidade do cuidador de cuidar de si e do outro.
Quais foram o desfecho principal e o objetivo do trabalho realizado?
O desfecho principal da pesquisa realizada foi a sobrecarga subjetiva de idosos cuidadores. Dessa forma, o estudo objetivou explorar fatores sociodemográficos, clínicos e psicossociais associados à sobrecarga em idosos cuidadores.
Que resultados considera os mais relevantes da pesquisa?
Os achados mostram que renda familiar, percepção de insuficiência financeira e disfunção familiar foram fatores sociodemográficos associados a maior sobrecarga do cuidador. Dificuldade para dormir, dor, estresse percebido, sintomas depressivos, fragilidade e multimorbidade foram fatores clínicos e psicossociais associados à maior sobrecarga do cuidador. Além disso, o baixo desempenho funcional e cognitivo dos receptores de cuidados foram fatores associados ao aumento da sobrecarga do cuidador. O modelo de regressão final revelou que os cuidadores mais velhos com sintomas depressivos tinham 16,75 vezes mais chances de ter uma pontuação mais alta na sobrecarga.
Pode detalhar a associação entre a cultura, gênero, classe social e situação familiar em relação ao estresse do cuidador?
A literatura mostra que existe evidência do impacto negativo da prestação de cuidados na saúde mental e física do cuidador informal. A presença e a intensidade desses efeitos na saúde diferem fortemente por subgrupo de cuidadores. Cuidadores especialmente do sexo feminino e casados, e aqueles que prestam cuidados intensivos, parecem incorrer em efeitos negativos para a saúde devido ao cuidado. No contexto brasileiro, a principal fonte de apoio às pessoas idosas tem sido no âmbito familiar, sendo comum que a responsabilidade dos cuidados ao idoso dependente recaia sobre o cônjuge. Assim, existem muitos idosos cuidando de pessoas com faixas etárias próximas à sua. Diante da restrição de recursos sociais, econômicos e de acesso a bens e serviços, existe o risco de adoecimento e de danos relacionados à saúde em pessoas cuidadores inseridos em contextos de alta vulnerabilidade social. Dessa forma, cuidadores em contextos de vulnerabilidade social estão mais expostos a fatores estressores, o que contribui para relações conflituosas e escassez de apoio social.
E sobre possíveis impactos em termos de saúde pública que o artigo poderá prover no aspecto social? O que avalia?
Os achados da pesquisa têm implicações potenciais para o desenvolvimento de políticas sociais ou recomendações para prevenir e reduzir a ocorrência de sobrecarga em idosos cuidadores, bem como projetar intervenções específicas, considerando fatores de risco para sobrecarga resultante de cuidados informais prestados aos idosos e variáveis que podem minimizar tal ônus. Isso é importante, pois a prestação de cuidados muitas vezes resulta em problemas de saúde e redução na qualidade de vida.