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Departamentos Científicos da ABN tecem esclarecimentos importantes sobre reportagens recentes

DC DE NEUROIMUNOLOGIA

“Do canabidiol a ondas magnéticas na orelha, os procedimentos melhoraram em 77% as funções cognitivas da atriz”. Essa é a chamada de reportagem veiculada em O Globo e em outras mídias, em 17 de novembro, sobre o tratamento e o estado de saúde da comediante Claudia Rodrigues, 52 anos, acometida por EM há quase duas décadas.

O Departamento Científico de Neuroimunologia da ABN traz esclarecimentos, em viurtude de equívocos importantes da matéria, que, aliás, gerou preocupação em pesquisadores que tratam pacientes com Esclerose Múltipla de diversos pontos do país.

A ABN não recomenda as terapias alternativas citadas nesta reportagem e teme pelos efeitos colaterais de procedimentos sem nível de evidência científica comprovado. Ao correrem ao largo de método científico consagrado, na verdade, tais métodos configuram o “não tratamento” da doença com terapias cientificamente atestadas, com consequências graves aos pacientes.

A Esclerose Múltipla é uma doença crônica desmielinizante com potencial neurodegenerativo (perda progressiva da estrutura ou funcionamento dos neurônios, incluindo a morte celular). Passando a limpo as notícias do dia a dia Departamentos Científicos da ABN tecem esclarecimentos importantes sobre reportagens recentes Essa enfermidade afeta mais de 2,5 milhões de pessoas em todo o mundo e, quando não tratado de forma adequada e precoce, tem grande chance de evoluir de forma desfavorável: na média, após 10 ou 15 anos sem o acompanhamento adequado, o paciente manifesta a progressão da doença e acúmulos de incapacidades física e mental. Nas fases mais avançadas, pode ficar restrito à cadeira de rodas e, depois, ao leito, com prejuízo cognitivo.

Nos últimos anos, médicos e pesquisadores puderam acompanhar diversas reportagens de TV, rádio e mídia impressa com relatos de Claudia Rodrigues sobre a Esclerose Múltipla e a evolução de seu quadro clínico. Por mais de uma vez, a atriz aderiu a tratamentos anedóticos, caso das megadoses de vitamina D. Mais recentemente, como informa o texto de O Globo, a paciente recorreu à técnica de origem italiana REAC e à chamada “terapia Bemer”, definidas na matéria como “tratamentos de ponta”.

A REAC consiste no uso de aparelho que “ativa o cérebro com ondas magnéticas”. O tratamento “não invasivo”, supostamente, ativaria áreas associadas à cognição, fala e a locomoção. Segundo o texto, este seria o sexto tratamento que a atriz “topou participar” como voluntária. Já a terapia Bemer, diz sobre a utilização de uma manta térmica, que seria capaz de melhorar a circulação e oxigenação dos tecidos. Todos esses métodos, no entanto, não dispõem de comprovação científica de eficácia.

O “transplante de medula óssea”, igualmente citado na reportagem, é sim indicado para casos de Esclerose Múltipla com evolução mais grave, pois dispõe de robusta comprovação científica. O procedimento é recomendado quando as medicações utilizadas, denominadas como terapias modificadoras de doença (TMDs), não controlam seu avanço, no jargão médico, em caso de “falha terapêutica”. Trata-se, portanto, de estratégia válida para pacientes graves. A reportagem destaca, inclusive, que Rodrigues “não parece ser a mesma pessoa de 2015”. O fato indica resposta ao transplante, possível controle da doença e estabilidade do quadro clínico.

Atualmente existem várias TMDs aprovadas para o tratamento da Esclerose Múltipla, incluindo aquelas de alta eficácia, usadas na fase inicial do diagnóstico, principalmente para pacientes com a doença muito ativa e mais agressiva. O uso de terapias comprovadamente eficazes do ponto de vista científico determina uma evolução com melhor prognóstico, melhores desfechos clínicos e de imagem na ressonância magnética. Aumentam, portanto, as chances do paciente permanecer funcional física e cognitivamente por longos períodos. Na maioria das vezes, os pacientes medicados e acompanhados vivem com pouca ou nenhuma diferença para pessoas não acometidas pela doença.

Quanto ao canabinóide, também citado, ainda não existe evidência que sustente seu uso como tratamento destinado a sintomas como tremor, deficiência cognitiva e distúrbios da linguagem. O uso do canabinóide foi aprovado unicamente para tratamento da espasticidade (aumento involuntário da contração muscular) e dor em pacientes com Esclerose Múltipla avançada, que não responderam aos tratamentos mais convencionais.

O Departamento Científico de Neuroimunologia da Academia Brasileira de Neurologia, órgão ligado à Associação Médica Brasileira (AMB), reconhece os serviços de informação prestados pelo jornal O Globo, veículo de circulação nacional notabilizado pelo compromisso com a verdade, assim como pela imprensa de nosso país. Mas tem a obrigação de apontar as inconsistências da referida reportagem, sobretudo em momento de lamentável culto à desinformação no Brasil. Nunca foram tão importantes a checagem rigorosa de versões e a abertura ao contraditório, premissas básicas da atividade jornalística.

A ABN também compreende os anseios dos pacientes e familiares pela “cura” de doenças crônicas e degenerativas, como a Esclerose Múltipla. No entanto, o uso criterioso, judicioso e consciencioso da melhor evidência científica na administração dos cuidados médicos aos pacientes (Browman, 1999) define a Medicina Baseada em Evidências (MBE). Nesta prática, aspecto importante é a verificação dos resultados a serem observados em estudo rigorosamente conduzido.

A ciência na saúde convive continuamente com as ameaças da tendenciosidade: na tentativa de comprovar sua crença e experiência com determinado tratamento, muitos profissionais podem enviesar resultados. Quais não foram as consequências perversas de estudos mal feitos relacionados à utilização de cloroquina no tratamento à covid-19? Por isso, a boa medicina preconiza estudos randomizados duplo-cegos rigorosos e verificados por pares, capazes de prevenir desvios, como a inclusão de pacientes com maior possibilidade prévia de boas respostas à doença ou pré-dispostos a acusar melhora. A ciência tem estratégias prontas para reduzir os erros das etapas de seu desenvolvimento, assim como a imprensa em sua busca pela verdade. Façamos bom uso.

DC DE NEUROLOGIA COGNITIVA E DO ENVELHECIMENTO

Outra manifestação da ABN ocorreu como esclarecimento a matéria publicada por alguns veículos de imprensa em 26 de setembro de 2022, intitulada “Cannabis: idoso tem reversão de sintomas do Alzheimer com óleo da planta.”

Em nota pública, o DC de Neurologia Cognitiva e do Envelhecimento contrapôs-se à notícia que relatava o caso de um senhor de 78 anos diagnosticado com doença de Alzheimer e que teria tido seus sintomas supostamente revertidos, com “melhoras no humor, sono e memória, além de a doença se manter estável” após início de tratamento experimental com extrato composto por THC (Tetrahidrocanabinol) e CBD (Canabidiol).

A reportagem trazia ainda informações sobre um acompanhamento de outros 28 casos, com estabilidade em 6 meses no grupo submetido à intervenção. O caso relatado foi publicado em uma revista médica (Ruver-Martins et al. Journal of Medical Case Reports (2022) 16:277) no formato de relato de caso.

“Embora tenham o papel de documentar casos de interesse científico, os relatos de caso não permitem tirar conclusões sobre a eficácia ou não de tratamentos, sendo os ensaios clínicos controlados com placebo o meio mais adequado para isso. Neste tipo de pesquisa, para comprovar o possível efeito de um medicamento em teste, é necessário utilizar dois grupos de pacientes que têm a doença. Um grupo é selecionado por sorteio para receber o medicamento enquanto o outro recebe um placebo (produto sem efeito no tratamento). Nem os pacientes nem os médicos podem saber quem está tomando o medicamento em teste ou o placebo. Somente ao fim do período definido (seis meses, um ano ou mais) os pacientes serão reavaliados e então os examinadores e os pacientes vão saber quem tomou o medicamento e quem tomou o placebo. Assim, pode-se concluir se houve efeito.

De outra forma, os resultados podem ser obtidos por mero acaso e pode haver efeitos colaterais não documentados. Quanto aos demais casos sendo acompanhados, será fundamental que tenhamos acesso à pesquisa, na expectativa para que obedeça ao rigor metodológico que permita replicação dos resultados por outros grupos e ampliação do tamanho amostral para que tenhamos conclusões mais sólidas.

O uso de canabinóides para o tratamento de condições neurológicas é atualmente alvo de intensa pesquisa, com resultados não uniformes até o momento. Em artigo de posicionamento publicado pela Academia Brasileira de Neurologia no período científico Arquivos de Neuropsiquiatria (Brucki SMD et al.Canabinoids in Neurology. Arq. Neuro-Psiquiatr. 79 (04) • Apr 2021), um painel de especialistas constatou que ainda não há evidência científica que corrobore o uso do THC ou do CBD para o tratamento dos sintomas cognitivos ou neuropsiquiátricos da doença de Alzheimer, tampouco para a reversão ou estabilização da doença, que apresenta evolução progressiva. O mesmo documento ressalta o papel importante que a medicação pode apresentar em formas graves de epilepsia da infância e que a literatura médica está em constante mudança, portanto novas evidências podem surgir com a evolução das pesquisas.

Até o presente momento, ainda não se pode falar em tratamentos curativos para a condição, mas ressaltamos que os tratamentos sintomáticos atuais são bem estudados e validados e devem ser continuados a despeito de qualquer outro tratamento adicional oferecido. Colocamo-nos ao lado dos pacientes e de seus familiares na expectativa pelo avanço na ciência, com perspectivas de novos tratamentos modificadores da doença de Alzheimer, incluindo os derivados da cannabis. A ABN possui em seu quadro profissionais de alta qualificação técnica e se coloca à disposição da imprensa para os devidos esclarecimentos sobre a doença de Alzheimer ou qualquer outra doença neurológica. Informações essas sempre baseadas nas melhores evidências científicas, garantindo assim adequados esclarecimentos para a população”.

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