Pesquisadores brasileiros realizaram importante trabalho sobre a relação entre tratamento antirretroviral e o aumento da sobrevida de pacientes infectados pelo HIV-1. No estudo, pontuam que, a despeito dessa boa notícia, alterações cognitivas associadas ao HIV passaram a ser frequentemente observadas nessa população.
Diante disso, construíram o paper Prevalence of cognitive impairment in HIV patients: vertical and horizontal transmission a partir da avaliação de um grupo de 48 pacientes com HIV, sendo parte com transmissão vertical e parte com transmissão sexual.
Em entrevista ao ABNews, a primeira autora, Maria Rita Polo Gascón, pesquisadora da Universidade São Judas Tadeu, esclarece objetivos do estudo (SciELO – Brazil – Prevalence of cognitive impairment in HIV patients: vertical and horizontal transmission Prevalence of cognitive impairment in HIV patients: vertical and horizontal transmission, dispoível em bit.ly/3BqueF9) e comenta resultados. Confira.
O que são os transtornos neurocognitivos associados ao HIV (em inglês, HIV-associated neurocognitive disorder/HAND)?
Os transtornos neurocognitivos associados ao HIV estão relacionados ao impacto da ação desse vírus no Sistema Nervoso Central e em consequências nas funções cognitivas superiores (memória, atenção, linguagem, função executiva) e nas atividades de vida diária.
A classificação das categorias da HAND depende, basicamente, de duas variáveis: avaliação neuropsicológica e avaliação do impacto da doença nas atividades da vida diária, por exemplo, trabalho e vida social; sendo classificada como alteração neurocognitiva assintomática (ANI, asymptomatic neurocognitive impairment) quando há alterações em dois ou mais domínios cognitivos, mas que, principalmente, não estão relacionados com o comprometimento de atividades da vida diária.
Já no comprometimento neurocognitivo leve/moderado (MND, mild neurocognitive disorder), há alterações de mais de 2 domínios cognitivos e, principalmente, presença de comprometimento funcional leve a moderado nas atividades da vida diária.
Por fim, na Demência associada ao HIV (HAD, HIV associated dementia), há alterações graves em mais de 2 domínios cognitivos, sendo que geralmente o distúrbio é encontrado em múltiplos domínios, especialmente no alentecimento do processamento de novas informações, déficit de atenção e comprometimento grave nas atividades da vida diária.
Por que é importante estudar as diferenças de HAND entre pacientes com HIV por transmissão vertical daqueles com HIV por transmissão sexual?
Os pacientes que foram infectados pelo HIV via transmissão vertical (de mãe para filho) tendem a apresentar maior comprometimento cognitivo, quando comparados com os que foram infectados na vida adulta, visto que o Sistema Nervoso Central ainda está em desenvolvimento. A prevalência de comprometimento neurológico em crianças é de 50% a 90%, impactando de forma significativa o aprendizado e a autonomia.
Importante ressaltar que a transmissão vertical em nosso país diminuiu de forma significativa, sendo zerada em alguns municípios, devido ação dos profissionais de saúde e a inclusão do exame no pré-natal.
Quais foram as principais diferenças sociodemográficas, clínicas e cognitivas entre os dois grupos?
Na transmissão vertical foi possível observar uma distribuição entre os sexos de maneira igualitária, enquanto no grupo de transmissão sexual foi predominantemente masculina. Os pacientes com transmissão vertical apresentaram menos anos de estudo. Em relação às categorias de HAND, foi observada uma frequência significativamente superior de comprometimento cognitivo leve no grupo com transmissão vertical, enquanto no grupo de transmissão sexual a maior parte apresentava forma assintomática de HAND, sendo o prejuízo de memória a função cognitiva com maior comprometimento, principalmente entre os pacientes com transmissão vertical.
Quais as hipóteses dos autores para explicar essas diferenças?
Nossa hipótese é que a diferença esteja relacionada ao momento da contaminação. A transmissão vertical ocasiona um dano maior no sistema nervoso central da criança, principalmente nos dois primeiros anos de vida. Os efeitos a longo prazo da exposição crônica à infecção que o HIV provoca no SNC e à resposta imune inflamatória que induz devido a sua replicação, além da liberação de proteínas tóxicas no tecido nervoso, impactam de forma significativa o sistema nervoso central que ainda está em formação.
Outra possibilidade é que a taxa de adesão aos antirretrovirais em adolescentes é inferior à dos adultos, principalmente por conta do sentimento de estarem sendo punidos por algo que não foram responsáveis, o que pode ocasionar uma imunossupressão, que pode danificar o sistema nervoso central.