O Departamento Científico de Neurologia Cognitiva e do Envelhecimento da Academia Brasileira de Neurologia vem, por meio desta, manifestar-se em relação à matéria publicada por alguns veículos de imprensa em 26/09/2022, intitulada “Cannabis: idoso tem reversão de sintomas do Alzheimer com óleo da planta.”
A notícia em questão relata o caso de um senhor de 78 anos diagnosticado com doença de Alzheimer e que teve seus sintomas supostamente revertidos, com “melhoras no humor, sono e memória, além de a doença se manter estável” após início de tratamento experimental com extrato composto por THC (Tetrahidrocanabinol) e CBD (Canabidiol). Em seguida, a matéria reporta o acompanhamento de outros 28 casos, com estabilidade em 6 meses no grupo submetido à intervenção. O caso ora relatado foi publicado em uma revista médica (Ruver-Martins et al. Journal of Medical Case Reports (2022) 16:277) no formato de relato de caso.
Embora tenham o papel de documentar casos de interesse científico, os relatos de caso não permitem tirar conclusões sobre a eficácia ou não de tratamentos, sendo os ensaios clínicos controlados com placebo o meio mais adequado para isso. Neste tipo de pesquisa, para comprovar o possível efeito de um medicamento em teste, é necessário utilizar dois grupos de pacientes que têm a doença. Um grupo é selecionado por sorteio para receber o medicamento enquanto o outro recebe um placebo (produto sem efeito no tratamento). Nem os pacientes nem os médicos podem saber quem está tomando o medicamento em teste ou o placebo. Somente ao fim do período definido (seis meses, um ano ou mais) os pacientes serão reavaliados e então os examinadores e os pacientes vão saber quem tomou o medicamento e quem tomou o placebo. Assim, pode-se concluir se houve efeito.
De outra forma, os resultados podem ser obtidos por mero acaso e pode haver efeitos colaterais não documentados. Quanto aos demais casos sendo acompanhados, será fundamental que tenhamos acesso à pesquisa, na expectativa para que obedeça ao rigor metodológico que permita replicação dos resultados por outros grupos e ampliação do tamanho amostral para que tenhamos conclusões mais sólidas.
O uso de canabinóides para o tratamento de condições neurológicas é atualmente alvo de intensa pesquisa, com resultados não uniformes até o momento. Em artigo de posicionamento publicado pela Academia Brasileira de Neurologia no período científico Arquivos de Neuropsiquiatria (Brucki SMD et al.Canabinoids in Neurology. Arq. Neuro-Psiquiatr. 79 (04) • Apr 2021), um painel de especialistas constatou que ainda não há evidência científica que corrobore o uso do THC ou do CBD para o tratamento dos sintomas cognitivos ou neuropsiquiátricos da doença de Alzheimer, tampouco para a reversão ou estabilização da doença, que apresenta evolução progressiva. O mesmo documento ressalta o papel importante que a medicação pode apresentar em formas graves de epilepsia da infância e que a literatura médica está em constante mudança, portanto novas evidências podem surgir com a evolução das pesquisas.
Até o presente momento, ainda não se pode falar em tratamentos curativos para a condição, mas ressaltamos que os tratamentos sintomáticos atuais são bem estudados e validados e devem ser continuados a despeito de qualquer outro tratamento adicional oferecido. Colocamo-nos ao lado dos pacientes e de seus familiares na expectativa pelo avanço na ciência, com perspectivas de novos tratamentos modificadores da doença de Alzheimer, incluindo os derivados da cannabis.
A ABN possui em seu quadro profissionais de alta qualificação técnica e se coloca à disposição da imprensa para os devidos esclarecimentos sobre a doença de Alzheimer ou qualquer outra doença neurológica. Informações essas sempre baseadas nas melhores evidências científicas, garantindo assim adequados esclarecimentos para a população.
Breno Barbosa
Elisa Resende
Adalberto Studart Neto
Departamento Científico de Neurologia Cognitiva e do Envelhecimento da Academia Brasileira de Neurologia