A associação entre vertigem e migrânea é comum e conhecida há muito tempo. Sabe–se que o sintoma tontura pode ser encontrado em até 70% dos pacientes migranosos, sendo a relação entre ambas bem frequente, conforme pontua Cristiana Borges Pereira, coordenadora do Departamento Científico de Distúrbios Vestibulares e do Equilíbrio da ABN e chefe do Grupo de Distúrbios Vestibulares da Neurologia do Hospital de Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
Nesta entrevista ao boletim ABNews, ela discorre sobre os achados do estudo Consensus document of the Bárány Society and the International Headache Society(bit.ly/migrânea-vestibular).
Quais os critérios diagnósticos da migrânea vestibular?
Inicialmente, lembro que o sintoma tontura pode ser encontrado em até 70% dos pacientes migranosos e a associação entre migrânea e vertigem na população geral é três vezes mais frequente do que seria de se esperar pela chance de coocorrência. Em pacientes com vertigem recorrente de causa desconhecida a prevalência de migrânea
varia de 60% a 80%.
Através destas observações, o termo migrânea vestibular foi proposto pela primeira vez na década de 90, mas apenas recentemente, em 2012, foram estabelecidos os critérios para o diagnóstico pela Bárány Society. A partir destes critérios, pôde ser reconhecido que 10 a 20% dos pacientes atendidos em clínicas de cefaleia têm diagnóstico de migrânea vestibular, e pôde ser estabelecida a prevalência de migrânea vestibular de 1% na população geral.
Há mudanças recentes e importantes em critérios? E quais as características de vertigem na migrânea vestibular?
Em 2022 foi publicada uma atualização do artigo original, mas não houve mudança nos critérios, apenas novos comentários à luz de conhecimentos adquiridos desde 2012. Os critérios estabelecem o diagnóstico de migrânea vestibular e de migrânea vestibular provável, da seguinte maneira:
Migrânea vestibular:
A. Pelo menos 5 episódios preenchendo os critérios C e D.
B. História atual ou pregressa de migrânea sem aura ou de migrânea com aura
C. Sintomas vestibulares de moderada ou forte intensidade, com duração de 5 minutos a 72 horas
D. No mínimo 50% dos episódios estão associados a pelo menos um dos três aspectos de migrânea:
- Cefaleia com características migranosas
- fotofobia e fonofobia
- aura visual
E. Não pode ser explicada por outra forma de cefaleia ou outra síndrome vestibular
Migrânea vestibular provável:
- Pelo menos 5 episódios de sintomas vestibulares de intensidade moderada a forte, com duração de 5 minutos a 72 horas
- Apenas 1 dos critérios B e C para migrânea vestibular é preenchido (história de migrânea ou aspectos migranosos durante o episódio)
- Não pode ser explicada por outra forma de cefaleia ou outra síndrome vestibular
Trata-se de uma entidade comum?
Alguns aspectos desta definição merecem comentários, como as características dos sintomas vestibulares, a duração destes sintomas e a associação de sintomas vestibulares e cefaleia. Os pacientes podem apresentar: vertigem espontânea, vertigem posicional, vertigem induzida pela visão, vertigem induzida por movimento da cabeça, tontura e náusea induzidas por movimento da cabeça. Portanto, as manifestações vestibulares podem ser diversas e o mesmo paciente pode apresentar mais de uma forma. Destas, as mais comuns são a vertigem espontânea e a vertigem posicional. O paciente pode começar a crise com vertigem espontânea e depois de horas passar a ter vertigem posicional. Esta, por sua vez, pode ser de curta duração ou pode durar todo o tempo em que o paciente mantém a posição da cabeça que a desencadeou.
E a prevalência relatada na literatura?
A duração dos sintomas vestibulares pode ser de 5 minutos a 72 horas, e sabe-se que em 30% dos pacientes os sintomas duram minutos, em 30% duram horas, e em 25% dias. Em 15%, os sintomas podem durar de segundos a semanas, e ainda assim estes pacientes se encaixam na classificação, pois naqueles que os sintomas duram segundos se considera todo o período de sintomas de curta duração e, naqueles que duram dias, se considera a fase inicial de sintomas intensos e não o mal-estar que pode se seguir.
Por fim, deve-se ter em mente que nem sempre os sintomas vestibulares estão associados à cefaleia. É importante notar que apenas 50% das crises vestibulares precisam estar associadas a sintomas migranosos, e além disto, estes sintomas podem ser a cefaleia, ou foto e fonofobia, ou aura visual. Portanto, o paciente pode ter sintomas vestibulares associados a foto e fonofobia, ou a aura visual e não ter nenhuma associação da vertigem com a cefaleia. Isto pode ocorrer em até 30% dos casos.
Quais os diagnósticos diferenciais?
Os diagnósticos diferenciais mais importantes são: doença de Menière (o mais frequente e mais desafiador), tontura postural perceptual persistente, vertigem posicional paroxística benigna, ataques isquêmicos transitórios e mais raramente ataxia episódica tipo 2. Não existem estudos que avaliem especificamente o tratamento da migrânea vestibular, que deve ser então tratada como as outras formas de migrânea.