Como a ultrassonografia (US) da bainha do nervo óptico (NO) pode ser à beira leito uma ferramenta útil para detecção de hipertensão intracraniana é um dos pontos tratados por Rita de Cassia Leite Fernandes, coordenadora do Departamento Científico de Neurossonologia da ABN, profª adjunta da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro, em entrevista exclusiva ao ABNews.
Ela analisa de forma abrangente o estudo Optic nerve sheath diameter sonography during the acute stage of intracerebral hemorrhage: a potential role in monitoring neurocritical patients (http://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/33237373/), inclusive quanto ao apontamento de que a avaliação seriada com a USNO em pacientes na fase aguda de hemorragia intracraniana pode ser bem positiva em prognóstico.
Quais as causas mais frequentes dos processos expansivos intracranianos?
A elevação da pressão intracraniana (PIC) é uma complicação potencialmente devastadora de lesões neurológicas. Entre as causas mais frequentes encontramos os processos expansivos intracranianos (hemorragia/hematoma, tumor, abscesso), o edema cerebral (encefalopatia hipóxica-isquêmica aguda, infarto cerebral volumoso, lesão traumática grave), a redução da absorção liquórica (pós-meningite bacteriana), a obstrução da drenagem venosa cerebral (trombose de seios venosos), etc. O manuseio adequado da hipertensão intracraniana (HIC) requer o seu imediato reconhecimento, o uso judicioso de monitorização invasiva da PIC e o tratamento dirigido tanto à redução da pressão dentro da caixa craniana, quanto à reversão da sua causa subjacente, sem os quais o prognóstico é sombrio com óbito ou sequelas graves.
Os sinais e sintomas da elevação da PIC podem ser o primeiro sinal de alerta no paciente neurocrítico. Eles incluem dor de cabeça, rebaixamento do nível de consciência, vômitos, paralisia do NC VI, papiledema e a tríade de Cushing – bradicardia, hipertensão e depressão respiratória. No entanto, a acurácia do diagnóstico clínico de HIC é limitada e esses achados podem ser inconstantes ou não confiáveis em determinados casos. A utilização de métodos radiológicos pode dar suporte ao diagnóstico, como a TC quando exibe desvio de linha média ou apagamento de cisternas e sulcos; contudo, o método mais confiável é invasivo: a medida direta da PIC através de cateter posicionado no ventrículo lateral, intraparenquimatoso ou subdural
A ultrassonografia do nervo óptico (USNO), um exame “point of care” ou seja, realizado à beira-do-leito, em tempo real e com imagens obtidas imediatamente, tem vários aspectos positivos e pode ser um instrumento decisivo na tomada de decisão para a condução de um caso emergencial, em especial nos serviços assistenciais com poucos recursos de neuroimagem ou quando o paciente não pode ser deslocado para a realização de TC ou RM. A ultrassonografia é uma modalidade de imagem segura e prática que tem sido utilizada pela Medicina em diversas áreas por mais de meio século. Já em 2004, a conferência do American Institute of Ultrasound in Medicine chegou à conclusão de que o conceito do “ultrassom como estetoscópio” estaria rapidamente se tornando uma realidade.
Revisões sistemáticas de artigos sobre a utilização da USNO para o diagnóstico de HIC verificaram que a medida do diâmetro do nervo óptico e sua bainha exibe boa acurácia quando comparada ao padrão-ouro, a medida direta da PIC, assim como uma boa reprodutibilidade interobservadores. Um dos aspectos negativos do exame seria a falta de um consenso sobre o valor exato de corte da medida, mas, a grande maioria dos autores encontrou que um valor > 5 mm se correlaciona claramente a uma PIC anormalmente aumentada, acima de 20 mmHG.
Que objetivo central tinha o estudo de US da bainha de NO durante a fase aguda de um AVCh?
Esse estudo é muito interessante porque investigou a dinâmica de alterações da medida do nervo óptico feitas com a US em pacientes na fase aguda de hemorragia intracraniana não-traumática, diferente da maioria de estudos anteriores que fizeram medidas pontuais. O objetivo dos autores foi correlacionar essas alterações evolutivas com o curso clínico e com o desfecho desses pacientes.
Comente os fatores que se associaram a instabilidade do diâmetro da bainha do NO em pacientes com AVCh?
O trabalho verificou que em alguns pacientes com hemorragia intracraniana os valores da USNO se modificavam significativamente na fase aguda – as medidas foram efetuadas na admissão, 2º e 3º dias de internação e consideradas instáveis quando houve 5% de diferença entre as medições. Esses pacientes com medida instável na USNO tinham maior probabilidade de um desfecho clínico pior quando comparados àqueles com estabilidade nas medidas.
Também ficou claro que a medida feita pela USNO reage quase que simultaneamente às oscilações da PIC. Dois pacientes receberam derivação liquórica e a tendência ao decréscimo da medida ultrassonográfica apareceu quase imediatamente: na admissão tinham medidas de 7,5 mm e 7,10 mm; após alguns minutos do início da drenagem liquórica as medidas já caíram para 6,8 mm e 6,28 mm respectivamente. Esse achado enfatiza a maior importância da avaliação de variações da medida do diâmetro do nervo óptico do que propriamente de valores absolutos
E a principal conclusão do estudo?
O estudo aponta que a avaliação seriada com a USNO em pacientes na fase aguda de hemorragia intracraniana pode auxiliar, de forma não-invasiva, a detecção de elevações da PIC em pacientes neurocríticos e contribuir para melhorar o seu prognóstico.
A falta de treinamento dos neurologistas, emergencistas e intensivistas na técnica não mais se justifica face ao acúmulo de literatura médica apontando o enorme custo/benefício do emprego da USNO em situações específicas.
• Reportagem completa com ilustrações e gráficos em https://www.abneuro.org.br/3d-flip-book/abnews-mar-abr-2022/