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Revisão de critérios diagnósticos à esclerose múltipla

No Brasil, existem cerca de 35 mil pacientes diagnosticados com Esclerose Múltipla (EM) e cerca de 15 mil em tratamento, de acordo com o DATASUS. Mais de R$ 279 milhões foram investidos na aquisição de medicamentos para a doença em 2016, de acordo com o Portal Brasil. No mesmo ano, registrou-se 3.185 internações por complicações relacionadas à EM pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Apenas em 2017, de janeiro a maio, houve 1.599 internações. 

Fatores como progressão da incapacidade física-cognitiva, recorrências como surtos, e morbidades também estão relacionados ao impacto econômico da EM. Atualmente, o SUS oferta 44 procedimentos (clínicos e de reabilitação) para a doença, de forma integral e gratuita, atendendo diretrizes terapêuticas determinadas pelo Protocolo Clínico da Esclerose Múltipla. 

O neurologista Felipe von Glehn, pós-doutor em Neuroimunologia pelo Brigham and Women’s Hospital/ Harvard Medical School, e membro da Academia Americana de Neurologia, analisa o paper Diagnosis of multiple sclerosis: 2017 revisions of the McDonald criteria (https://www.thelancet.com/journals/laneur/article/PIIS1474-4422(17)30470-2/fulltext) e sua relevância para a qualificação da assistência.

Por que é importante rever os critérios diagnósticos anteriores?

Esclerose Múltipla é uma doença que tem diagnóstico baseados em critérios clínicos, de imagem do neuro-eixo, estudo do líquor e exclusão de outros diagnósticos. Ainda não existem biomarcadores específicos para diagnosticar EM e a lista de diagnósticos diferenciais é extensa. O entendimento da fisiopatologia ainda está em progressão e a cada ano, novos trabalhos científicos revelam novas descobertas da relação de um sistema imune inato e adaptativo mal funcionante com o sistema nervoso central (SNC) vulnerável à ataques de inflamação. A evolução temporal e espacial dos sinais e sintomas determina e é ainda o pilar do diagnóstico da doença baseados nos critérios de McDonald e cada revisão tenta incorporar esses novos conhecimentos produzidos anualmente sobre a sua fisiopatologia, tentando aumentar a sensibilidade e especificidade dos critérios de McDonald. Por isso, a importância das revisões periódicas.

Quais as principais mudanças na orientação de como firmar o diagnóstico de esclerose múltipla nestes novos critérios?

Os novos critérios de McDonald revisados em 2017 não determinaram grandes mudanças aos critérios revisados em 2010. O objetivo principal foi simplificar e esclarecer alguns pontos da revisão anterior, facilitando o diagnóstico precoce de casos considerados prováveis, sem perder a sua especificidade e promovendo a sua aplicação adequada, diminuindo o número de erros diagnósticos. As principais atualizações foram a inclusão da presença de BOC restritas ao LCR preenchendo o requisito de disseminação no tempo, e ao associa-la a uma apresentação de síndrome clínica isolada (SCI), resultar no diagnóstico de EM Remitente-Recorrente. Além disso, lesões corticais, assim como as juxtacorticais, podem ser utilizadas como critérios radiológicos de disseminação no espaço, e lesões sintomáticas ou assintomáticas no tronco encefálico e medula podem ser usadas para demonstrar disseminação no tempo e espaço em síndromes medulares, infra e supratentoriais. Para a forma de EM primariamente progressiva, não ocorreram atualizações em relação aos critérios de McDonald revisados em 2010.

Sabemos que a ressonância não é 100% sensível/específica para esclerose múltipla. Quais os sinais de alerta clínico-radiológicos contra esclerose múltipla que o clínico deve ficar atento?

Primeiramente, o clínico deve reconhecer que os critérios de McDonald não foram desenvolvidos para diferenciar EM de outros diagnósticos, mas para identificar EM quando outros diagnósticos diferenciais já foram excluídos em pacientes com a apresentação de síndrome clínica isolada (SCI). Na ausência de SCI típica, deve-se ter cautela no diagnóstico definitivo, reavaliando as apresentações clínica e radiológica do caso nas visitas de acompanhamento, excluindo outros diagnósticos diferenciais. Deve-se ter cautela ao considerar um surto clínico não documentado ou sem sinais no exame físico que corroborem com a história relatada. Especial atenção deve ser dada para casos de evolução progressiva desde o início, casos clínicos atípicos, padrões radiológicos incomuns (como por exemplo, lesões tumefativas) e em populações cuja a incidência de EM é menor (infantil, idosos e não caucasianos).

É muito importante que o paciente e clínico tenham acesso a uma ressonância de 3 TESLA ou podemos trabalhar tranquilamente com uma ressonância de 1,5 TESLA? 

Nenhum estudo, até o momento, avaliou se a utilização de ressonância nuclear magnética (RNM) do neuro-eixo com campos diferentes resultaria em diferenças no diagnóstico, condutas de tratamento e prognóstico dos pacientes com doenças neurológicos. Não existem ainda estudos randomizados controlados duplo cegos comparando RNM de 1,5T com 3,0T para responder essa pergunta. Estudos observacionais não apontam diferenças no manejo clínico e desfecho de saúde dos pacientes avaliados por RNM de 1,5T ou 3,0T. Esta revisão canadense “Wood R et al. 1.5 Tesla Magnetic Resonance Imaging Scanners Compared with 3.0 Tesla Magnetic Resonance Imaging Scanners: Systematic Review of Clinical Effectiveness. 2011” aborda bem o assunto. 

Em Esclerose Múltipla, Di Perri et al. 2009, e Simon et al. 2010 observaram que a RNM de 3.0T detecta melhor pequenas lesões em regiões difíceis de se visualizar no cérebro e medula. Mas Wattjes et al. 2006, não observaram um aumento significativo de diagnósticos de EM em fase inicial utilizando na época os critérios de imagem de Barkhof para disseminação no espaço quando utilizava RNM de campos diferentes (1,5 e 3,0T).

A relação sinal-ruído é superior em equipamentos de 3,0 T, proporcionando imagens de melhor qualidade e um menor tempo de aquisição destas imagens durante o exame. Para determinadas funções muito utilizadas em pesquisa de neuroimagem, como espectroscopia, RNM funcional e spin labeling arterial, o melhor sinal emitido nas aquisições especificas, faz a RNM de 3,0T ser superior à de 1,5T. 

Para a prática clínica, recomenda-se mesmo é que as imagens sejam feitas no mesmo scanner ao longo do tempo, independente do campo da RNM, a fim de facilitar a detecção de novas lesões ou a progressão das antigas na substância branca e cinzenta cerebrais.

Os critérios voltaram a incluir o líquor para pacientes com doença remitente recorrente. Qual a importância do líquor no diagnóstico de esclerose múltipla?

O estudo do liquido cefalorraquiano (LCR) é muito importante para demonstrar inflamação compartimentalizada no SNC. A presença de bandas oligoclonais (BOC) restritas ao líquor não é específica para EM, pois outras doenças inflamatórias autoimunes e infecciosas do SNC podem induzir a sua produção. Porém, a presença de BOC de IgG persistentes ao longo do tempo é peculiar à EM, resultante de um fenômeno ainda pouco compreendido que pode estar relacionado à presença de pseudofolículos linfoides de células B nas meninges. É importante deixar claro também que ausência de BOC no LCR não exclui EM e acontece mais frequentemente em populações de não caucasianos e crianças. A presença de BOC está associada a uma doença mais ativa quando comparadas aos casos de BOC ausentes no LCR. O LCR é uma amostra biológica importantíssima para estudo dos mecanismos da fisiopatologia de doenças autoimunes do SNC e agora, também pode ser usada para pesquisa de biomarcadores de progressão de doença e resposta a tratamento, como por exemplo, os níveis de neurofilamentos de cadeia leve.

Este artigo oferece alguma orientação de tratamento?

Não, apenas a consideração que um diagnóstico precoce alivia o sofrimento da incerteza de não saber o diagnóstico definitivo e a oportunidade de se iniciar mais rapidamente o tratamento. Também, é importante salientar que algumas terapias usadas para tratar EM, pioram a atividade de outras doenças como a Neuromielite optica, prejudicando o paciente. 

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