A encefalopatia límbica por TDP-43 relacionada ao envelhecimento é uma proteinopatia causada por depósitos da TDP-43 no cérebro. Em recente reportagem do ABNews, Jerusa Smid, vice coordenadora do Departamento de Neurologia Cognitiva e do Envelhecimento da ABN, registra que leva a declínio cognitivo que mimetiza a doença de Alzheimer, com alteração de memória como principal manifestação clínica. É mais comumente encontrada em indivíduos após 80 anos de idade.
Saiba mais, a seguir, no pingue-pongue com Jerusa Smid sobre o estudo “Encefalopatia TDP-43 relacionada à idade, predominantemente límbica (LATE): relatório do grupo de trabalho de consenso” - https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/31039256
Trata-se de uma nova doença? De onde vem o termo LATE?
O termo LATE é proposto para unificar outros termos relacionados à proteinopatia TDP-43 que podem estar associados ao este declínio cognitivo: esclerose hipocampal, esclerose hipocampal relacionada ao envelhecimento, demência por esclerose hipocampal, TDP-43 com esclerose associado à idade, patologias TDP-43 no envelhecimento. Portanto não se trata de uma nova doença, mas sim de proposta de nova nomenclatura incluindo todos os termos utilizados anteriormente para descrição do mesmo processo clinicopatológico.
Quais seriam as características clínicas e de neuroimagem da LATE?
As características clínicas são semelhantes às da doença de Alzheimer por haver predilação de comprometimentos do hipocampo e das estruturas límbicas. É mais comum após os 80 anos, havendo cerca de 20% de prevalência das alterações anatomopatológicas segundo estudos de autópsias nessa faixa etária. Fenotipicamente são doentes classificados como demência do tipo Alzheimer, mas que não possuem as alterações anatomopatológicas da doença ou que possuem patologia mista (patologia do tipo Alzheimer, placas amilóides e emaranhados neurofibrilares, associados a depósito de TDP-43). Uma parte dos pacientes classificados atualmente como SNAP (suspected non-Alzheimer’s disease pathophysiology) possivelmente são casos de proteinopatia TDP-43, especialmente indivíduos mais velhos. Os casos de alteração patológica TDP-43 pura evoluem mais lentamente do que casos de patologia pura de doença de Alzheimer, segundo dados preliminares. A associação das duas patologias acelera a evolução do quadro clínico.
Os achados de neuroimagem apontam para maior atrofia hipocampal ao estudo por ressonância magnética (RM) encefálica do que a observada em pacientes com doença de Alzheimer pura. A maioria dos estudos de RM avalia pacientes com esclerose hipocampal associada à patologia TDP-43, reduzindo a participação de casos mais leves e, portanto, havendo representação maior de casos com atrofia importante dos hipocampos. Nos casos de esclerose hipocampal com alterações patológicas da LATE, a atrofia hipocampal costuma ser assimétrica e progride num gradiente rostro-caudal. Estudos pós mortem mostram que a atrofia nos casos de LATE não se restrige às estruturas mesiais temporais, havendo acometimento do córtex insular, temporal anterior e frontal inferior.
No grupo das demências frontotemporais (DFT), há também casos de proteinopatia TDP-43. Seria a LATE uma enfermidade a ser classificada dentro do grupo das DFT? Ou seriam TDP-43patias distintas?
O termo clínico DFT é utilizado para o grupo de demências que se caracteriza por alteração comportamental e/ou de linguagem. Do ponto de vista neuropatológico, as degenerações lobares frontotemporais (DLFT) estão associadas a deposição de 3 proteínas: proteína tau, proteína TDP-43 e proteína FUS (fused in sarcoma). Há ainda casos raros em que não há envolvimento de nenhuma dessas 3 proteínas, e a coloração para ubiquitina e p62 indica envolvimento do sistema ubiquitina-proteossomo. A maioria dos casos de DLFT é de proteinopatia TDP-43.
Os autores propõe que os casos de LATE são distintos dos casos de DFT-TDP43 tanto do ponto de vista clínico quanto neuropatológico. Também especulam que a LATE é um diagnóstico muito mais prevalente do que o diagnóstico de DFT, cerca de 100 vezes maior. Como falamos, do ponto de vista clínico, a doença acomete indivíduos mais velhos (após 80 anos) e o perfil cognitivo proeminente é amnéstico, não havendo alterações de linguagem ou comportamento. A distribuição patológica também é distinta nos casos de LATE, quando comparados aos casos de DLFT, segundo o artigo: mais restrito a estruturas límbicas e com menor atrofia cortical. Os autores chamam atenção para necessidade de biomarcadores e mais dados que permitam a diferencenciação entre as diferentes proteinopatias TDP-43.
Podemos especular quais seriam as implicações práticas atuais e no futuro a partir da descrição dessa nova proteinopatia?
Atualmente a confirmação anatomopatológica é necessária para a determinação proteinopatia TDP-43. Dessa forma, do ponto de vista prático, não conseguiríamos nesse momento realizar esse diagnóstico no atendimento de pacientes no ambiente clínico. Podemos pensar que pacientes, especialmente com 80 anos ou mais, com quadro clínico amnéstico predominantemente e que não tenham evidência de patologia amilóide ou tau, tenham LATE. A tentativa de unificar termos e propor uma nova entidade diagnóstica tem a vantagem de aumentar a capacidade de investigação e pesquisa dessa forma de proteinopatia. A descoberta de possíveis biomarcadores que auxiliem o diagnóstico in vivo, dados epidemiológicos que corroboram a alta prevalência estimada pelos dados iniciais, descoberta de alvos para tratamento desses quadros demenciais são algumas implicações que a unificação clinicopatológica dessa proteinopatia TDP-43 pode trazer no futuro.