Em meio às mudanças legislativas referentes à venda de medicamentos à base de cannabis no Brasil, a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), em parceria com o Conselho Federal de Medicina (CFM), divulgou o “Decálogo sobre a maconha”, um conjunto de normas que alerta a população sobre os efeitos da planta.
Informam as instituições que, entre as mais de 400 substâncias presentes na Cannabis indica e na Cannabis sativa, apenas o canabidiol (CBD) está sendo estudado como opção terapêutica. Visto que os resultados ainda são escassos, a regulamentação sobre o consumo deve ser especial, pois não se sabe ao certo quais são os efeitos decorrentes do uso crônico.
Sônia Brucki, membro da Academia Brasileira de Neurologia (ABN) e médica do Grupo de Neurologia Cognitiva e do Comportamento (GNCC) da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), considera interessante a separação entre o termo “maconha medicinal” e o uso de tetrahidrocanabinol (THC) e CBD, mas acredita que o documento tenha sido um pouco extremista.
“A maconha existe em vários tipos, dependendo de variações de concentração de THC e efeitos psicotrópicos, dependendo de qual planta se observa, portanto, todos os efeitos não podem ser generalizados sem pesquisa. Deve-se realçar que, entre as muitas substâncias, as mais estudadas pelas suas potencialidades medicinais são o CBD sozinho ou em associação ao THC”, explica.
Os mandamentos descrevem ainda os malefícios para a saúde do consumo da maconha, como o prejuízo à atenção, à memória, às funções executivas, à percepção da realidade e à tomada de decisões. Além disso, pode induzir a doenças como esquizofrenia, transtorno bipolar, ansiedade e depressão, bem como levar a determinadas infecções respiratórias e doenças mais graves. Durante a gestação, pode até provocar alterações no cérebro do feto.
A neurologista reafirma tais resultados e incentiva o uso controlado para pesquisas. Segundo ela, há ainda muitas descobertas a serem feitas sobre os benefícios do uso de algumas das substâncias da maconha no tratamento de doenças. Até o momento, pacientes com espasticidade, dor neuropática e epilepsia são os mais favorecidos. “A ciência não pode sofrer o efeito de pré-conceitos”, pontua.
Maconha e trânsito
O decálogo ressalta ainda que a dependência aumenta o número de acidentes no trânsito. Em “Efeito do Uso de Drogas sobre o Comportamento e a Cognição de Motoristas”, outro documento realizado em parceria com o CFM, mas dessa vez sob iniciativa da Associação Médica Brasileira (AMB), destaca-se que o consumo da cannabis duplica o risco de colisões graves ou fatais. Alterações cognitivas como lentificação dos movimentos, redução da atenção e aumento dos desvios laterais de pistas são extremamente prejudiciais ao motorista e seus passageiros.
Áquila dos Anjos Couto, médico de tráfego pela Associação Brasileira de Medicina de Tráfego (Abramet/AMB) e doutorando pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), enxerga o documento como uma possível experiência de sucesso entre as sociedades médicas, como foco na atenção integrada e valorização da promoção de vida no trânsito.
“Estudos comprovam que a maconha é a droga mais prevalente entre motoristas envolvidos em colisão, principalmente combinada com o álcool. A preocupação ressaltada pelo CFM e ABP, com interesse da SBN e Abramet, é inerente à origem da especialidade”, afirma dr. Áquila.