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Ataxia cerebelar aguda: diagnóstico diferencial e abordagem clínica

As ataxias constituem um grupo amplo e complexo de doenças neurológicas. A perda do equilíbrio é o sintoma principal, embora fenótipos complexos com outros sintomas e sinais motores e não motores possam ocorrer. José Luiz Pedroso, vice-coordenador do DC de Neurogenética da ABN, trata do assunto a seguir, além de fazer uma revisão do artigo Acute cerebellar ataxia: differential diagnosis and clinical approach

https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/30970132.

Quais são os principais grupos de ataxia com relação á etiologia? 

As causas ou diagnóstico etiológico das ataxias podem ser divididos em formas genéticas ou não genéticas. Uma classificação didática das ataxias pode ser elaborada da seguinte maneira: 

Ataxias hereditárias ou genéticas:

– Ataxias espinocerebelares (autossômicas dominantes, também denominadas SCA – sigla do inglês “spinocerebellar ataxias”; em geral início na idade adulta e com mais de uma geração acometida)

– Ataxias autossômicas recessivas (em geral início antes dos 25 anos de idade; a história de consanguinidade entre os pais é frequente)

– Ataxias congênitas (sintomas observados já nos primeiros anos de vida)

– Ataxias mitocondriais

– Ataxias ligadas ao X

– Ataxias episódicas

Ataxias esporádicas

– Degenerativas (tais como a atrofia de múltiplos sistemas, forma cerebelar)

– Adquiridas (como exemplo, deficiência vitamínica, degeneração cerebelar alcoólica, formas autoimunes)

Quais as causas mais frequentes de ataxia aguda?

As ataxias agudas em geral são adquiridas, ou não genéticas, e frequentemente se tratam de uma emergência neurológica. Há pouca informação na literatura médica sobre as síndromes cerebelares agudas, principalmente devido a sua heterogeneidade. Embora a incidência exata seja desconhecida, a abordagem a pacientes com ataxias agudas resulta em hospitalização e extensa investigação laboratorial. Ocorrem com maior frequência na infância apresentando-se frequentemente como uma síndrome pós-infecciosa. Dessa maneira, é importante a divisão de acordo com a idade de início: na infância ou idade adulta. Não há consenso sobre a definição como ataxia aguda, embora haja alguns artigos classificando como ataxias agudas aquelas que têm instalação em menos de 72 horas. 

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As principais causas das ataxias agudas incluem:

– Acidente vascular cerebelar

– Infecções do sistema nervoso central (Ex. cerebelite viral)

– Causas tóxicas (Ex. uso crônico de fenitoína)

– Deficiência de vitaminas (Ex. síndrome de Wernicke – deficiência de vitamina B1)

– Manifestação de neoplasias (Degeneração cerebelar paraneoplásica)

– Causas autoimunes (Ex. doença celíaca; ataxia relacionada ao anticorpo anti-GAD; síndrome de Guillain-Barré – como forma de ataxia sensitiva)

– Lesões estruturais (Ex. tumores da fossa posterior; esclerose múltipla; malformações como Chiari)

– Alterações metabólicas (Ex. doenças mitocondriais) 

– Psicogênicas ou funcionais 

As ataxias imunomediadas compreendem um grupo de enfermidades de difícil diagnóstico. Como deve ser conduzida identificação das mesmas e a escolha da melhor conduta terapêutica?

A princípio, a caracterização da idade é fator essencial para a abordagem das ataxias imunomediadas. Uma ataxia aguda na infância em um primeiro momento desperta a possibilidade de uma cerebelite pós viral. Em um adulto jovem, pode ser manifestação de uma doença desmielinizante (esclerose múltipla). Ao passo que na terceira idade, nos remete às hipóteses principais de degeneração cerebelar paraneoplásica. 

Outra questão importante é a definição da topografia. Trata-se de ataxia sensitiva ou cerebelar? Em caso de ataxia sensitiva aguda, deve-se pensar em síndrome de Guillain-Barré ou Miller-Fisher.

As principais formas de ataxias cerebelares imunomediadas são: 

– Ataxia relacionada ao anticorpo anti-GAD (frequentemente há associação com diabetes insulino dependente);

– Ataxia relacionada à doença celíaca (a presença dos anticorpos anti-gliadina, anti-endomísio, e, em especial, antitransglutaminase, fazem parte da investigação diagnóstica);

– Encefalopatia responsiva a corticosteroides associada à tireoidite (a dosagem dos anticorpos tireoideanos auxilia no diagnóstico);

– Degeneração cerebelar paraneoplásica.

Para as ataxias imunomediadas, o uso de imunoterapia está indicado: principalmente corticosteroides em doses altas (como na encefalopatia responsiva a corticosteroides) e imunoglobulina humana endovenosa (como na ataxia relacionada ao anti-GAD, síndrome de Guillain-Barré e síndrome de Miller Fisher). O benefício de imunoterapia para outras formas autoimunes, tais como degeneração cerebelar paraneoplásica e doença celíaca é questionável, embora haja relatos de melhora. 

As ataxias paraneoplásicas são causas comuns de ataxia aguda. Que manifestações clínicas nos levariam a suspeitar de uma afecção desse tipo? Quais são os tumores mais comumente associados à ataxia cerebelar? A neuroimagem costuma ser incaracterística nesses casos, que exames adicionais devemos solicitar para confirmá-la?

Ataxia cerebelar pode ser uma das manifestações neurológicas das síndromes paraneoplásicas. Uma condição denominada degeneração cerebelar paraneoplásica. As principais dicas clínicas para que haja suspeita de degeneração cerebelar paraneoplásica são:

– Início agudo ou subagudo (evolução para ataxia grave em menos de 1 mês);

– Imagem do crânio normal (sem atrofia cerebelar);

– Diagnóstico prévio de neoplasia.

Os tumores mais comumente relacionados à degeneração cerebelar paraneoplásica são: mama, pulmão (pequenas células) e ovário. Os exames de imagem em geral não mostram atrofia do cerebelo, e podem revelar alterações inespecíficas, tal como hipersinal do vérmis cerebelar. A atrofia cerebelar na degeneração cerebelar em geral é um achado de imagem tardio (meses após o início dos sintomas neurológicos).

O diagnóstico da degeneração cerebelar paraneoplásica deve ser realizado para pacientes que desenvolvem uma síndrome cerebelar aguda ou subaguda e que já apresentam diagnóstico prévio de uma neoplasia. Porém, a degeneração cerebelar paraneoplásica frequentemente surge antes do conhecimento da neoplasia, o que exige investigação através do painel de auto anticorpos onconeurais. Os anticorpos mais comumente relacionados à degeneração cerebelar paraneoplásica são: anti-YO (principalmente tumores ginecológicos, mama e ovário), anti-Tr (linfoma de Hodgkin) e anti-Hu (tumor de pulmão). Outros anticorpos menos comuns também podem estar associados à degeneração cerebelar paraneoplásica: anti-CV2, anti-Ri, anti-Ma2 e anti-mGluR1.

Quais são os mecanismos que levam a doença celíaca a causar manifestações neurológicas, inclusive ataxia?

Embora a ataxia relacionada à doença celíaca seja frequentemente citada nos livros texto e artigos de revisão, trata-se de condição incomum na prática neurológica. A presença de ataxia associada a um dos anticorpos positivos (anti-gliadina, anti-endomísio ou anti-transglutaminase) não é suficiente para se estabelecer o diagnóstico de doença celíaca. Classicamente, a ataxia relacionada à doença celíaca envolve os gânglios dorsais; uma condição denominada ganglionopatia. Sendo assim, na maioria das vezes a ataxia relacionada à doença celíaca é uma ataxia sensitiva, e não cerebelar. 

A fisiopatologia da doença celíaca envolve mecanismo autoimune, precipitada pela exposição ao glúten, principalmente em portadores dos alelos HLADQ2 e HLADQ8. Os pacientes com a doença desenvolvem principalmente anticorpos ant-endomísio e anti-transglutaminase. 

Causas tóxicas incluem um importante capítulo etiológico das ataxias, quais são os principais agentes agressores e suas respectivas condutas terapêuticas?

As principais causas tóxicas de ataxias agudas estão listadas abaixo:

– Degeneração cerebelar alcoólica;

– Uso crônico de fenitoína. Outros anticonvulsivantes também são relatados mais raramente como causadores de ataxia: carbamazepina, fenobarbital, vigabatrina, gabapentina, lamotrigina;

– Antibióticos (polimixina e metronidazol);

– Lítio;

– Amiodarona;

– Agentes antineoplásicos (5-fluorouracil, citosina arabinosídeo, capecitabina, metotrexate).

A fisiopatologia das ataxias tóxicas parece ter relação com efeito tóxico direto sobre as células de Purkinje. Em algumas formas, como na degeneração cerebelar alcoólica, postula-se um mecanismo adicional caracterizado pela deficiência de vitamina B1. O tratamento inclui suspensão da medicação ou do fator de exposição ao agente. Na degeneração cerebelar alcoólica a reposição de vitamina B1 é fundamental. 

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