Houve tempos em que o Brasil era simplesmente um país consumidor de Ciência. Somente pautávamos pela Medicina e pelos estudos desenvolvidos em outros países. Hoje, somos referência. Um exemplo de dar orgulho é nossa Neurologia, que possui padrão de excelência e é referência em todo o mundo.
São vários os especialistas brasileiros que ocupam posições-chave no cenário neurológico internacional. É o caso de Sheila Ouriques Martins, presidente eleita da World Stroke Organization (WSO). “Fazemos um trabalho com eficiência em termos de pesquisa, ensino e assistência, criando modelos globais. Temos profissionais brasileiros bem inseridos em congressos e planos mundiais, o que é fundamental para a internacionalização do conhecimento”, afirma ela.
As novas ferramentas de comunicação e a interação a distância são relevantes nesse processo. Além disso, os últimos anos foram marcados pelo incentivo tanto acadêmico como profissional à especialidade. Para Fernando Cendes, professor titular do Departamento de Neurologia da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) e representante da ABN na World Federation of Neurology (WFN), os benefícios de tudo isso são abrangentes: “A colaboração internacional é mutuamente benéfica. Quando há troca de experiências e tecnologias, há disseminação de conhecimento. Do ponto de vista tanto médico como científico, a internacionalização permite que façamos muito mais”.
Nesse sentido, a incorporação de procedimentos e tratamentos resulta em um sistema cada vez mais eficaz e dinâmico. Não à toa, agências de fomento à pesquisa, como a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), utilizam a internacionalização como critério importante ao distribuir bolsas e financiar projetos. “Passamos de meros espectadores a participantes ativos na produção de conhecimento”, diz Cendes.
Espaço de honra
Vale recordar que em 2019 o Brasil tentou a candidatura a país-sede do Congresso Mundial de Neurologia. A despeito de não ter vencido a disputa, foi reconhecido internacionalmente por seus esforços.
De acordo com Gilmar Prado, vice-presidente da Pan-American Federation of Neurological Societies (PAFNS), foi a confirmação de que o País tem lugar de honra na Neurologia internacional. “Do ponto de vista científico, ocupamos nosso espaço. O que precisamos agora é focar na atuação educacional, a fim de obter resultados ainda mais importantes”, opina.
Prado assevera ainda que o trabalho da ABN em conjunto com sociedades de especialidade internacionais, como a Association of British Neurologists, é um passo em busca desse objetivo: “Existem países na América Latina, na América do Sul e na América Central que demonstram interesse em fellowshipsno Brasil, tendo em vista a qualidade dos médicos e do serviço nacional. Incentivar a vinda desses colegas para cursos e treinamentos é uma forma de consolidar nossa Neurologia”.
Filiada à WFN, a ABN promove interação constante entre as nações por meio de campanhas, cursos, seminários, congressos e projetos colaborativos. Estes últimos estreitam laços entre os neurologistas e ainda promovem descobertas científicas essenciais, como o Registro Brasileiro de Doenças Neurológicas (REDONE.br) e estudos como o RESILIENT.
Trabalho dobrado
Ana Lucila Moreira, secretária-geral da International Society of Peripheral Neurophysiological Imaging (ISPNI), percebe o avanço brasileiro com animação, porém com algumas ressalvas, e desabafa: “Sinto que temos que produzir muito mais que os estrangeiros para sermos levados a sério”.
Neste momento de sua carreira, Ana Lucila se dedica intensamente a reuniões e eventos do ISPNI, com o intuito de fortalecer a ponte entre a Neurologia brasileira e a dos demais países. O resultado é que a ISPNI, antes muito voltada aos eixos estadunidense e europeu, passou a valorizar mais a América Latina também no que diz respeito à área de ultrassom neuromuscular. “Com mais acesso ao aprendizado aqui, nós projetaremos o País para o cenário internacional. Nosso objetivo é expor os brasileiros ao conhecimento e às novidades que já são rotina no resto do mundo”, destaca.
Caminho futuro
Mesmo com o cenário promissor, há ainda desafios para nossa Neurologia. Segundo Prado, um deles é trazer neurologistas do exterior para receber treinamentos: “Temos encontrado dificuldades em relação a problemas econômicos, políticos e burocráticos. Nossos serviços estão plenamente capacitados a receber neurologistas em forma de residência e fellowship, mas esbarramos em uma série de empecilhos”.
Aliás, a falta de incentivo é um exemplo, uma vez que os profissionais voltados à pesquisa e à assistência se veem obrigados a dobrar as jornadas para dar conta de tudo.
Sheila destaca que, enquanto grandes centros internacionais disponibilizam horário reservado para os profissionais realizarem seus estudos, os pesquisadores brasileiros têm de fazê-los à noite ou aos finais de semana. “É um aspecto que precisa melhorar para que possamos aumentar a produção nacional. Hoje, nós conseguimos, à custa de enorme esforço, dedicação pessoal e tempo extra. Precisamos de um sistema educacional que nos proteja”, conclui a próxima presidente da WSO.