Examinar a eficiência da proteína tau plasmática fosforilada no sítio 217 (p-tau217) como biomarcador capaz de diferenciar portadores de doença de Alzheimer (DA) dos acometidos por outras afecções degenerativas foi o objetivo do estudo publicado no Journal of the American Medical Association (JAMA).
Esse estudo clínico, em tese, busca consolidar a compreensão de como a p-tau217 estaria relacionada à tomografia por emissão de pósitrons (PET) do amiloide cerebral e da tau e aos estágios da DA. É sobre essa questão, além de diversas outras relacionadas a esse trabalho, que trazemos entrevista com Breno Barbosa, vice-coordenador do DC de Neurologia Cognitiva e do Envelhecimento da ABN.
Quais os principais achados do estudo?
O estudo demonstrou que a dosagem da p-tau217 no sangue foi capaz de diferenciar sujeitos portadores de DA daqueles que tinham outras doenças neurodegenerativas, como Parkinson ou demência frontotemporal, com boa acurácia. Além disso, o estudo apontou: que a p-tau217 sérica teve boa correlação com o diagnóstico definitivo de DA e com a carga de emaranhados neurofibrilares no exame neuropatológico pós-morte; que o método teve melhor desempenho que outros testes utilizados na pesquisa, como medidas de ressonância magnética, e que não foi inferior aos métodos avançados, como a dosagem da p-tau217 no líquor; e que o teste acusou níveis elevados da proteína, antecedendo em muitos anos os primeiros sintomas de memória nos pacientes portadores de DA genética.
Por que um biomarcador sérico é tão desejado para o diagnóstico de doenças degenerativas e, especialmente, para a DA?
Atualmente existe um grande esforço de pesquisa para que o diagnóstico da DA e de outras condições neurodegenerativas seja baseado em biomarcadores, ou seja, em testes que documentem a presença das proteínas anormais específicas de cada condição. A maior precisão do diagnóstico será fundamental para incluir os pacientes apropriados nos estudos de novos tratamentos. Ocorre que atualmente os métodos disponíveis para o diagnóstico baseado em biomarcadores ainda são restritos a poucos centros de pesquisa, possuem alto custo ou são invasivos, como a punção lombar para estudo do líquor cefalorraquidiano. Dessa forma, o estudo dos biomarcadores pela simples coleta de sangue é muito atrativo por sua maior disponibilidade, com menor custo e menos risco ao paciente.
Em que a análise do grupo 3 (pacientes com DA autossômica dominante) acrescentou aos resultados?
O grupo 3 incluiu 622 participantes do Registro Colombiano de DA Autossômica Dominante, sendo 365 deles portadores da mutação no gene da presenilina-1 (PSEN1), uma causa genética de DA. Nesse subgrupo, houve aumento significativo da p-tau217 em comparação com os indivíduos negativos para a mutação. Chamou ainda a atenção o fato de que a elevação da p-tau217 ocorreu até 15 anos antes das primeiras queixas de memória.
Há vantagens da dosagem plasmática da tau217 em relação à PET-tau e à dosagem liquórica de tau217 e tau181?
A análise por curvas ROC revelou que a dosagem plasmática da tau217 (AUC 0,96) teve desempenho não-inferior ao da PET-tau (AUC 0,98) e ao da dosagem da p-tau no líquor, tanto na forma tau217 (AUC 0,99) como na tau181 (AUC 0,90). A vantagem é que se consegue a mesma precisão diagnóstica com uma simples coleta do exame de sangue, com menor custo e menor invasividade, comparativamente a esses outros métodos.
Qual a perspectiva de aplicabilidade clínica desses achados?
A perspectiva é de uso clínico a médio prazo, na medida em que os achados ainda precisam de maior validação em maior tamanho amostral e em populações diversificadas. Atualmente, a pesquisa dos biomarcadores é mais indicada em pesquisa clínica ou nos casos de dúvida diagnóstica, como em demências atípicas ou de início precoce. Existe ainda uma discussão ética em torno do papel desses exames na ausência de tratamentos curativos das doenças neurodegenerativas.