Além de produzir a revista Arquivos de NeuroPsiquiatria, a ABN é detentora dos direitos editoriais da revista Dementia & Neuropsychologia. Trata-se de qualificada publicação de pesquisas em ciências cognitivas e comportamentais. É focada em epidemiologia clínica, neurociências básicas e aplicadas e testes cognitivos elaborados ou adaptados para populações com antecedentes educacionais e socioeconômicos heterogêneos. Seus editores são Ricardo Nitrini e Sonia Maria Dozzi Brucki, da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e membros da Academia.
De caráter multidisciplinar e periocidade trimestral, é particularmente envolvida na disseminação de pesquisas, revisões e relatos de casos que configuram importantes contribuições para áreas neurológicas, psiquiátricas, geriátricas, neuropsicológicas, fonoaudiológicas e outras relacionadas.
A melhor notícia vem agora: Dementia & Neuropsychologia, a partir dessa edição, passa a ter um espaço fixo no ABNews para debate e aprofundamento de alguns de seus artigos. Quem nos dá a honra de inaugurar a seção é o mestre Ricardo Nitrini. Ele responde a questões relacionadas ao artigo The Figure Memory Test: diagnosis of memory impairment in populations with heterogeneous educational background, disponível na íntegra em http://www. demneuropsy.com.br/detalhe_artigo. asp?id=900.
O que seria a Bateria Breve de Rastreio Cognitivo (BBRC)? Qual foi a motivação para o desenvolvimento da BBRC?
No final da década de 1980, iniciamos uma pesquisa no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HCFMUSP) com o objetivo de verificar quais as principais doenças que causavam demência na população atendida no HCFMUSP. Uma das hipóteses que tínhamos era de que a doença vascular cerebral fosse mais comum em indivíduos de nível sócio-econômico mais baixo, enquanto as doenças degenerativas, particularmente a doença de Alzheimer (DA), fossem mais frequentes nos indivíduos de com nível sócio-econômico mais alto. Para realizar este atendimento e o diagnóstico de demência nos deparamos com a dificuldade de emprego de testes neuropsicológicos elaborados em países desenvolvidos, pois na nossa população havia proporção elevada de indivíduos analfabetos ou com escolaridade muito baixa. Por esta razão, precisávamos de testes que tivessem pouca ou nenhuma influência da escolaridade. Formamos então uma equipe com a neuropsicóloga Beatriz H. Lefèvre e neurologistas, que elaborou a primeira versão da Bateria Breve de Rastreio Cognitivo (BBRC). Esta versão sofreu poucas modificações e vem sendo utilizada desde então. Dentre os testes da BBRC o Teste de Memória de Figuras (TMF) é que apresenta maior acurácia no diag nóstico de demência nos estudos que realizamos. Somente para esclarecer, a nossa pesquisa revelou que a DA foi mais comum em todos os níveis sócio-econômicos na população estudada.
A escolaridade e a idade do paciente interferem no desempenho do Teste de Memória de Figuras (TMF) da BBRC?
A escolaridade exerce forte influência em testes neuropsicológicos. Exemplificando, quando elaboramos a BBRC achávamos que o testes de fluência verbal semântica, no qual se pede ao indivíduo que diga o maior número possível de nomes de animais em um minuto, seria pouco influenciado pela escolaridade na população que procurava o nosso hospital. Como os indivíduos de baixa escolaridade eram em grande número provenientes do interior e de zona rural, achávamos que poderiam até ter alguma vantagem no teste. Mas esta ideia mostrou-se equivocada e logo foi possível verificar que a escolaridade interfere bastante nos escores deste teste. Enquanto indivíduos de escolaridades superior a 8 anos o escore de corte foi de 13, em analfabetos foi de 9. Muitas vezes ficava claro que sem escolaridade o indivíduo tem até dificuldade de reconhecer os limites do reino animal (por exemplo, a pergunta “cobra vale?”, foi relativamente frequente).
Qual a nota de corte proposta no TMF para o diagnóstico de demência? Qual a sensibilidade e especificidade do teste?
A nota de corte do teste de recordação tardia (delayed recall) do TMF é de ≤5 (ou seja: escores menores do que 6 indicam comprometimento da memória e são sugestivos de demência, se houver comprometimento de outro domínio cognitivo (ou do comportamento/ personalidade) e da funcionalidade. No primeiro estudo que realizamos, a sensibilidade do teste de recordação tardia foi de 93,33% e a especificidade de 96,66%.
Há estudos clínicos comparando o TMF da BBRC com outros testes cognitivos de memória?
Publicamos um artigo comparando o TMF com o teste de memória da Bateria CERAD (Consortium to Establish the Diagnosis of Alzheimer Disease) e constatamos que o desempenho do TMF foi superior ao teste de memória do CERAD em indivíduos analfabetos.
Há estudos epidemiológicos validando o TMF da BBRC para o rastreio de comprometimento cognitivo na população?
Diversos estudos verificaram e validaram o TMF para o rastreio de comprometimento cognitivo na população. Uma revisão recente pode ser encontrada em Nitrini et al., 2021. A BBRC e particularmente a recordação tardia do TMF foi utilizada em estudos epidemiológicos de demência realizados em Catanduva e Tremembé, no estado de São Paulo, no estudo Pietá, em Minas Gerais, e em pesquisas na Amazônia com populações ribeirinhas e indígenas. Os escores de corte utilizados haviam sido validados em outros estudos.