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Dor neuropática na hanseníase

O estudo “A-waves are associated with neuropathic pain in leprosy” (https://doi.org/10.1002/mus.27759) é comentado pelo dr. Carlo Domênico Marrone, coordenador do DC de Neurofisiologia Clínica e ex-presidente da SBNC.

Debate relevante

O DC de neurofisiologia clínica escolheu o artigo “A-waves are associated with neuropathic pain in leprosy”¹ para comentar no ABNews devido a sua importância tanto em relação à doença como a método simples e acessível de avaliação, e por ser de colegas brasileiros conceituados mundialmente.

A Hanseníase é um problema de saúde relevante no Brasil e em muitos países em desenvolvimento. Concomitantemente, há uma intensa atividade acadêmica e assistencial no nosso meio, tornando o país referência nesse campo.

Em relação às áreas neurológica e neurofisiológica, inúmeras publicações têm sido produzidas com excelência.

A escolha do artigo recente de colegas brasileiros renomados na área neurofisiológica¹ reflete a importância da investigação, a um só tempo avançada e de fácil realização para os neurofisiologistas e neurologistas.

Arsenal investigativo

Uma arma do arsenal investigativo das anormalidades do sistema nervoso periférico é a eletroneuromiografia (ENMG), e quando se fala em neuropatia periférica, a neurocondução tem papel primordial. A neurocondução, de modo geral e na prática clínica, avalia, na maioria das vezes, as fibras nervosas mais rápidas, ou seja, fibras grossas mielinizadas, deixando a análise de fibras finas, pouco mielinizadas e relacionadas, por exemplo, a dor, para métodos não muito aplicados no dia a dia e muitas vezes de averiguação ambígua. Portanto, avaliar dor neuropática do ponto de vista neurofisiológico não é uma obra simples. No entanto, o artigo em questão nos ajuda a entender como pode ser processado com método fácil e rápido, em especial na dor neuropática relacionada a lepra.

Questões práticas

Para fins práticos, quando há estimulação de nervos motores/mistos, uma onda mais rápida e na proximidade do sítio de estimulação é captada (onda M). Assim também, quando utilizados recursos presentes rotineiramente em todos os aparelhos de ENMG, ondas lentas podem ser estudadas. Essas ondas lentas viajam por segmentos maiores, com características, por exemplo, como latências mais prolongadas dependendo do sítio e da intensidade de estimulação. As ondas lentas são o Reflexo H, Onda F, e dentro da avaliação desse onda F podemos encontrar a Onda A e o Reflexo A (em que o “A” se refere a “axônico”). Essas respostas tardias rendem informações de segmentos proximais dos nervos periféricos/plexos e raízes nervosas.

Como distinguir

Há como diferenciar o Reflexo Axônico e a Onda A do ponto de vista neurofisiológico, bem como o seu significado. O Reflexo Axônico não é um reflexo verdadeiro, mas um pequeno potencial motor que surge após a pesquisa da Onda F, sendo melhor definido como uma “Resposta Axônica”. Tem latência, amplitude e morfologia constantes e é persistente em 100% das estimulações. Além disso, aparece em estimulações de baixa intensidade, desaparecendo com aumento do estímulo e geralmente visto em espalhamento colateral (“colateral sprouting”).

Já a Onda A é semelhante, também sendo elucidada na avaliação da Onda F, mas não desaparece com aumento do estímulo, comumente sendo menor que o Reflexo Axônico ao redor de 40%, e tem uma variação, mesmo que discreta, entre as latências (cerca de 1,5 ms). Além disso, é possível que já esteja presente em estágios iniciais de neuropatia periférica, podendo ser considerado um preditor de desenvolvimento de neuropatia periférica em pré-sintomáticos em que focos de desmielinização podem ser o ponto de partida para a hiperexcitabilidade reflexa (Onda A) e a lentificação das onda Fs.² A Onda A pode ser um indicador de neuropatia subjacente, frequentemente encontrado em neuropatias desmielinizantes, axonais, radiculopatias e doenças do neurônico motor, tendo importante papel na neuropatia diabética precoce.³ 4

Universo do estudo

No artigo de Garbino e colegas, foram avaliados 112 pacientes com hanseníase para determinar se as Ondas A estavam associadas a dor neuropática, perda sensitiva ou fraqueza nesses pacientes.

Nesta grande coorte de pacientes com lepra, foi encontrada associação entre a presença de Onda A com neuropatia periférica, em especial dor neuropática ( 79,5% dos nervos com Ondas A presentes contra 17,2% dos nervos sem Ondas A, tendo o valor do P >.001), mas não com perdas sensitivas táteis ou déficits motores. Além disso, essas Ondas A afetaram nervos dos membros superiores e inferiores com ou sem reações imunológicas lepromatosas.

Apesar de limitações da técnica de obtenção da Onda A, (sendo inicialmente a identificação correta entre Onda e Reflexo A) e as limitações do próprio estudo (não foi realizada escala clínica da intensidade da neuropatia, bem como não foi realizada avaliação formal de fibras finas para explorar a correlação com dor neuropática e Ondas A), restaram claras a importância e a facilidade de obtenção das Ondas A como possibilidade de rastreio e futuros estudos com implicação terapêutica nas neuropatias da hanseníase. A correlação com outros estudos sobre Onda A, como descrito acima, mostra que essas ondas podem inferir anormalidades até mesmo precoces em várias anormalidades neuropáticas, não só na Hanseníanse, sendo importante sua pesquisa na neurocondução da eletroneuromiografia em geral.

Referências

Garbino JA, Kirchner DR,França MC Jr. A-waves are associated with neuropathic pain in leprosy. Muscle & Nerve. 2022;1‐4.doi:10.1002/mus.27759.

Rampello L, Rampello L, Arcidiacono A, Patti F. A waves in electroneurography: differential diagnosis with other late responses. Neurol Sci. 2020 Dec;41(12):3537-3545. doi: 10.1007/s10072-020-04649-2. Epub 2020 Aug 17. PMID: 32808175.

Srotova I, Vlckova E, Dusek L, Bednarik J. A-waves increase the risk of developing neuropathy. Brain Behav. 2017;7:e00760. https://doi. org/10.1002/brb3.760

Qiong Cai, Guliqiemu Aima, Wen-Xiao Xu, Pei-Yao Xi, Lie-Hua Liu, Yin-Xing Liang, Chao Wu, Song-Jie Liao. Frontiers in Systems Neuroscience | www.frontiersin.org 1 January 2021 | Volume 15 | Article 633915).

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